Museus paulistas têm enfrentado dificuldades para pagar a taxa especial para armazenagem de obras de arte em aeroportos. Isso ocorre porque as empresas concessionárias que administram o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e o Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo, mudaram o entendimento sobre a tarifa a ser cobrada. Até março deste ano, a taxa correspondia ao peso do volume transportado. As concessionárias, por sua vez, têm pretendido cobrar tarifa proporcional ao valor das obras de arte. A diferença chega a ser milionária, de acordo os museus.
Um dos casos mais recentes, o da mostra Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana, da Pinacoteca de São Paulo, foi parar na Justiça. Uma liminar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), concedida no dia 5 de setembro, reconsiderou decisão anterior e determinou que a Associação Pinacoteca Arte e Cultura continue a pagar a tarifa especial, de acordo com o peso da obra.
O Contrato de Concessão nº 2 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de 2012, prevê na Tabela 9 a cobrança de armazenagem por quilo para cargas em regime especial de admissão temporária destinada a eventos comprovadamente científicos, esportivos, filantrópicos ou cívico-culturais.
Na decisão, o desembargador federal Johonsom Di Salvo destacou que o valor das obras de arte pode alcançar centenas de milhões de dólares. Lembrou ainda que algumas dessas obras vêm ao Brasil por meio de empréstimo ou cessão. “Essa alteração acabaria por inviabilizar eventos de arte, prejudicando a difusão da cultura e do conhecimento, esse sim, um evento cívico-patriótico”.
O tema também tem sido foco de discussões no Ministério da Cultura e no Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. Um grupo de trabalho foi criado para estudar a metodologia de cobrança das tarifas aeroportuárias de armazenagem sobre cargas destinadas a eventos culturais. O relatório final da análise, apresentado no dia 12, destacou que “a cobrança de taxas de armazenagem dessas cargas com base no peso é um entendimento consolidado há mais de 35 anos”. A questão ainda será analisada no Ministério dos Transportes.
O ministro da Cultura, Sá Leitão, compareceu ao ato de entrega das conclusões do grupo de trabalho acompanhado de representantes do setor cultural, dentre eles, o diretor financeiro e de operações do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), Fábio Frayha.
A primeira exposição a ter a cobrança da taxa pelo valor das obras no Masp foi a Acervo em Transformação: Tate, inaugurada em maio. O mesmo ocorreu com Histórias Afro-Atlânticas, aberta em junho, e Melvin Edwards: Fragmentos Linchados, iniciada em agosto. De acordo com o museu, no caso da exposição Histórias Afro-Atlânticas, as tarifas aeroportuárias chegam a R$ 4,5 milhões, se fossem cobradas pelo valor das obras.
O Masp tem entrado com mandados de segurança para garantir que as taxas sejam cobradas pela tarifa especial. “O museu conseguiu pagar a taxa a partir do peso das obras: R$ 877 (Tabela 9) para armazenagem de um dia”, informou por meio de nota.
O museu também destacou que está em constante negociação com instituições internacionais e que os calendários são pensados com, no mínimo, três anos de antecedência. “Nenhuma grande mostra se dá sem a vinda de trabalhos importantes de fora do Brasil e, portanto, todas as agendas futuras estão em risco”, acrescentou o Masp por meio da assessoria de imprensa.
A Pinacoteca de São Paulo destacou, em nota à Agência Brasil, a importância de se restabelecer a segurança jurídica para que sejam eliminados “abusos e distorções”. “E [para que] não tenhamos novos impactos negativos na produção cultural, na reputação das instituições museológicas brasileiras e na imagem do país”. Segundo a entidade, em 2019, estão previstas três exposições no museu com obras vindas de fora. “Desejamos que até lá essas práticas abusivas tenham sido coibidas”.
Regulação
A Anac informou, em nota, que não houve alteração recente nos normativos de regulação da cobrança de tarifas de cargas aplicável aos aeroportos e que a mudança nos valores cobrados resulta de uma “reinterpretação pelas concessionárias de aeroportos da expressão ‘cívico-cultural’”. Essa era uma das características que garantia o pagamento de taxa diferenciada aos museus.
“Não cabe à Anac acompanhar cada transação comercial entre o aeroporto e os seus usuários, mas a agência detém a prerrogativa de atuar em caso de solicitação formalizada”, disse em nota a agência reguladora.
Destacou ainda que tem acompanhado as análises do grupo de trabalho interministerial. “A Anac está ciente do resultado do estudo realizado e entende que a aplicação da tabela de casos especiais às tarifas de armazenagem e capatazia de cargas destinadas a eventos cívico-culturais constitui caso típico de política pública setorial.”
Por meio de nota, a concessionária Aeroportos Brasil Viracopos S.A. disse que alguns eventos em questão, “como exposições de obras de artes, por exemplo, não atendem à legislação que determina a aplicação da Tabela 9 Anexo 4 para eventos que, comprovadamente, possam ser qualificados como ‘cívico-cultural’ ou ‘filantrópicos’”. Destaca ainda que algumas dessas exposições cobram ingressos. Porém, em sua decisão, o desembargador Johonsom Di Salvo também considerou que a gratuidade da mostra não é condicionante da cláusula contratual para a tarifação por peso.
Para a empresa, não faz sentido que as exposições sejam consideradas cívico-culturais. “Muitas destas galerias recebem auxílio de patrocinadores e realizam compra e venda de obras de artes. Ainda assim, não faz sentido que sejam qualificadas como ‘cívico-cultural’, violando totalmente o sentido do termo e o regime especial específico na Tabela 9 do Anexo 4, conforme tarifação imposta pela Anac”, diz a nota.
Ainda segundo a Brasil Viracopos, o material armazenado envolve fatores como segurança, infraestrutura, manutenção.
O GRU Airport, que administra o Aeroporto de Guarulhos, disse em nota que a empresa fez o “enquadramento adequado das cargas” de acordo com a tabela já definida em contrato com a Anac. Destacou ainda que a regra tarifária prevista no contrato de concessão para importação e armazenamento de qualquer bem é um percentual do valor do bem.
“Em caso de dano ou avaria a uma obra de arte durante o período de armazenagem [em que o aeroporto se torna fiel depositário daquela obra] existe a possibilidade de o importador ser ressarcido por sua própria seguradora, mas esta terá o direito de acionar o aeroporto pelos prejuízos sofridos [ação de regresso]. Em outras palavras, o risco e o custo recaem sobre o aeroporto”, destacou.
Crédito: Agência Brasil