Divulgada
em fevereiro, a tabela do Brasileirão previa o início da competição no primeiro
fim de semana de maio. Essa programação já não faz mais sentido em um cenário
de paralisação do futebol nacional em função da pandemia do coronavírus, mas
não há dúvidas de que o regulamento será mantido, com a disputa de 38 rodadas.
E o fortalecimento dessa posição tem motivação especialmente financeira.
A reportagem do Estado consultou os 20 clubes participantes do Brasileirão e a
postura deles é unânime para que o sistema de pontos corridos, implementado em
2003, seja mantido na próxima edição, ainda que a temporada seja encerrada no
começo de 2021. É, inclusive, a mesma conduta adotada pela CBF. “A gente
descarta completamente o mata-mata ou o modelo europeu”, avisa o
secretário-geral Walter Feldman.
Essa possibilidade de fim tardio foi fator fundamental a levar os clubes a
concederem férias aos elencos em abril, decisão ampliada na última semana,
quando os 40 times das séries A e B deram mais dez dias de recesso aos
jogadores – o período inicial era de 20 -, com a retomada das atividades
previstas apenas para maio.
O apego dos clubes ao regulamento tem razão além da meramente esportiva.
Afinal, em um cenário de perda de receitas com bilheterias, patrocinadores e
programas de sócio-torcedor, cresce em importância o valor a ser auferido com o
contrato pelos direitos de transmissão. Reduzir o Brasileirão a menos do que as
38 rodadas previstas significaria renegociação e diminuição dos ganhos com um
acordo que sempre foi importante para as finanças dos clubes e agora se torna
ainda mais fundamental.
“O campeonato tem de ser no formato original, até porque devemos ter uma
queda de receita muito grande em relação a público, talvez com jogos com
portões fechados no início do campeonato. É importantíssimo que tenhamos o
dinheiro da televisão. E ela já sinalizou que pode fazer uma redução
proporcional do valor a ser pago caso o campeonato não seja disputado em 38
rodadas”, afirma Sérgio Sette Câmara, presidente do Atlético-MG.
O problema é que para o Brasileirão ser reajustado ao calendário, outras
mudanças serão necessárias. Quando o futebol nacional parou, os campeonatos
estaduais e regionais, caso da Copa do Nordeste, ainda estavam em disputa,
assim como a Copa do Brasil, a Copa Libertadores e a Sul-Americana.
Mudar o formato de disputa dos Estaduais seria a mais óbvia. E embora a ideia
principal seja concluir as disputas, que deverão ser retomadas assim que houver
condições seguras, até por demandar deslocamentos menores, alguns times
defendem alterações caso esses torneios prejudiquem o Brasileirão em turno e
returno
“O Coritiba entende que os estaduais devem retornar apenas caso não
prejudiquem o calendário de 38 datas para o Campeonato Brasileiro”, afirma
Samir Namur, presidente do Coritiba, em opinião que é replicada pelo
Atlético-GO. “O carro-chefe do futebol brasileiro são as competições
nacionais. Devemos priorizar o começo e recomeço do Brasileirão e Copa do
Brasil. Os Estaduais não precisam ser extintos, mas devem se adaptar ao
calendário do futebol nacional”, diz o clube que conseguiu o acesso à
elite do futebol brasileiro no ano passado.
Mas a posição majoritária entre os clubes é de que os estaduais sejam
finalizados dentro de campo, ainda que com alguns pequenos ajustes em seu
regulamento. “Sou a favor de que os campeonatos estaduais concluam no
formato atual, no caso da Copa do Nordeste, também. O máximo que poderia
acontecer de mudança seria reduzir uma data e fazer final em jogo único em
função de calendário”, diz Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.
Assim, com pretensão de não reduzir drasticamente os jogos, uma tendência pode
ser espremê-los no calendário, diante do tempo perdido das últimas semanas. Há,
porém, limitações para isso, como a determinação que exige um espaçamento de 66
horas entre uma partida e outra. Os clubes que aceitam a redução desse prazo
ressaltam que isso só será possível com a anuência de autoridades médicas e dos
próprios jogadores.
O presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol
(Fenapaf), Felipe Augusto Leite, já sinalizou a possibilidade de diminuição
desse intervalo entre jogos. A CBF vê a possibilidade como real, um
“instrumento excepcional” para ser usado em um “momento
excepcional”, como argumenta Feldman.
“Vamos usar todos os instrumentos para terminar em dezembro. Mas quando a
gente estende as férias, significa que talvez tenhamos de jogar depois do
réveillon, se for necessário, para acomodar as datas. Com aval, você pode
reduzir o tempo porque os elencos não são só de 11 jogadores”, acrescenta.
Porém, muitos clubes veem essa possibilidade com reticência, especialmente pelo
aspecto da logística. “Para o Sport, que é do Recife, isso é uma loucura.
Somos uma das equipes mais distantes do Sul e do Sudeste. Seria extremamente
prejudicial encurtar o tempo entre os jogos. Teríamos que fazer uma logística
de deslocamento absurda, com tempo de descanso mínimo para os jogadores.
Seríamos muito prejudicados, isso não seria bom”, argumenta Lucas
Drubscky, executivo de futebol do Sport.
Há também a preocupação que essa medida extrema aumente a disparidade entre os
clubes, favorecendo os que possuem elencos mais numerosos e qualificados.
“Acredito que culturalmente os nossos atletas não estão acostumados a isso
e eu entendo como sendo uma atitude totalmente ‘antifisiológica’, por ser um intervalo
muito curto para um desgaste muito grandes que os atletas têm durante os jogos.
É uma atitude antidesportiva e alguns clubes de maior elenco poderiam ser
beneficiados”, avalia Marcelo Almeida, presidente do Goiás.