“Foi uma decisão de abrir mão de estarmos
fisicamente juntos neste Natal para garantir que a gente tenha todos os
outros”, resume a professora Solange, que hospedava a festa do dia 24 de
dezembro da família Rodrigues há 21 anos, mas teve sua tradição cancelada em
razão da pandemia. Assim como eles, diversas famílias tiveram de mudar de
planos quanto às festas de fim de ano para garantir a segurança dos seus
integrantes.
Com o aumento de casos e óbitos relacionados à
covid-19, as celebrações natalinas se tornaram uma preocupação em todo o mundo.
No Estado de São Paulo, o Centro de Contingência de Combate à Covid-19 orientou
que a população se reúna em grupos de no máximo dez pessoas nos eventos
familiares de fim de ano. O coordenador do grupo, José Medina, aconselhou que
os encontros tenham curta duração, de até uma hora, e que os mais velhos sejam
protegidos.
Para ajudar, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
lançou uma planilha com orientações para as festividades. Segundo o documento,
a maneira mais segura de celebrar o Natal e o réveillon é ficando em casa com
os familiares que já moram juntos.
É isso que a família Rodrigues vai fazer.
“Mesmo todo mundo estando em home office, a gente vê que a transmissão se
dá ao acaso, numa visita despretensiosa. Então foi uma decisão muito difícil,
mas por amor”, conta Solange, que recebia de 35 a 38 pessoas em sua casa
todo dia 24 e, este ano, irá passar a data somente ao lado do marido, dos
filhos e da sogra. “Quando todo mundo for vacinado, a gente faz um Natal
fora de época”, brinca
Luiza Rodrigues do Carmo, estudante e sobrinha
de Solange, gosta tanto da data que passava em dose dupla: uma com a tia e
outra, no dia 25, na casa da avó paterna – com direito a mais peru e
amigo-secreto. “Sempre foi uma festança”, diz ela, que neste ano vai
passar com os dois irmãos e os pais em sua casa. “Quando tomaram essa
decisão de não se reunir, eu fiquei muito chateada, porque não tenho um contato
diário com os meus primos, os vejo poucas vezes ao ano e o Natal é uma dessas. Mas
com o tempo, e pensando sobre o assunto, hoje eu consigo enxergar isso com
outros olhos.”
Novas tradições
Tios, primos e irmãos reunidos, amigo-secreto,
mesa farta e as debochadas piadas do pavê. No Brasil, o Natal é isso e muito
mais. Mas em tempos de pandemia, a festa diminui de tamanho e se transporta
para o digital. “Vamos fazer videochamada com todo mundo para pelo menos
ter um pouco de contato do jeito que dá”, conta Luiza.
Nunca houve um melhor momento para definir o seu
cardápio e trilha sonora de Natal, e talvez até mesmo estabelecer uma nova
tradição a longo prazo. Luiza, por exemplo, já decidiu a dela. “Ano
passado quando eu concluí o vestibular, a gente criou o hábito de assistir a
filmes de Natal. Então este ano tentaremos seguir essa tradição e incluir meus
pais nela”, diz ela, que só hoje consegue ver as partes boas do
isolamento. “Este foi o ano que eu passei mais perto dos meus irmãos e dos
meus pais e, ao mesmo tempo que foi difícil no começo, de lidar com as
diferenças e tudo mais, foi também uma oportunidade de a gente ver com outros
olhos as mesmas pessoas.”
A boa convivência entre as amigas Amanda
Salbego, de 28 anos, e Juliana Moreira, de 27, foi uma das razões para
partilharem o Natal. “A gente mora juntas desde fevereiro e conseguiu viver
até agora sem grandes brigas”, brinca Amanda. Por causa do novo
coronavírus, ela decidiu celebrar a data em São Paulo com a amiga e companheira
de apartamento em vez de visitar sua família, em Porto Alegre. “A opção
era ficar quase duas horas no avião ou ir de ônibus com 20 horas de viagem.
Então o risco é grande.”
Enquanto os pais de Juliana se conformaram bem
com a situação, os de Amanda não aceitaram de primeira. “A minha mãe ficou
um pouco brava. Ela demorou para aceitar. Já os meus avós ficaram tristes, mas
foram até mais compreensivos do que eu achei que seriam”, conta Amanda.
“No meu caso, meu pai, minha mãe e eu somos do grupo de risco, então
quando eu levantei a hipótese de não passar o Natal com eles, e visitar só
quando tudo estiver mais tranquilo, nenhum dos dois ficou triste. Os dois logo
concordaram”, diz Juliana.
Convivendo desde março isoladas, as amigas
organizaram uma rotina fixa. “A gente já tem o nosso programa, que é ficar
vendo vídeos no YouTube ou seriados, e acho que (o Natal) não vai ser nada além
disso”, explica Juliana. Apenas uma coisa irá mudar neste ano: “Vamos
nos vestir melhor”. Para a ceia, o mais importante para a dupla é a farofa
e sobremesa. “A ceia sempre foi algo que a família decidia, e agora a
gente está tendo que realmente entender como faz e cozinhar algo reduzido, só
para duas pessoas”, conta Amanda.
Do outro lado do oceano. Do outro lado do mundo,
a ceia é o que anima o quarteto de brasileiros que está vivendo na Holanda
durante um estágio. “Eu estou animada. É a primeira vez que passo o Natal
longe da minha família e já estamos pensando em vários tipos de comida que
podemos fazer”, conta Beatriz Maciel de Carvalho, de 21 anos, que vive
junto com os amigos Juliana, Gabriel e Luan. “Não era nosso plano inicial,
queríamos estar viajando, mas já aceitamos a ideia e iremos fazer algo legal.
Vai ter até amigo-secreto.”
Aqui no Brasil, a mãe, Márcia, ficou apreensiva.
“Quando ela saiu eu já sabia que o retorno dela seria só em 2021. Mas,
naquela época, a gente ainda não estava vivendo esse drama do coronavírus. Com
o decorrer do tempo veio um turbilhão de emoções”, conta ela, que admite
sentir um misto de emoções entre apreensão e saudade. “Ela vai estar com a
gente em chamada de vídeo, mas meus outros dois filhos vão estar aqui me
acariciando”, diz.
Desde março, diferentes medidas foram utilizadas
pelos países para evitar a propagação do novo coronavírus. Em grande parte, o
isolamento social e o home office só foram viáveis com ajuda da tecnologia. E é
graças a ela que a jornalista Maria Elisa Almeida, de 34 anos, que mora em
Berlim, vai matar a saudade da família. “Estou desde 2019 sem ver meus
pais”, conta. A passagem para a viagem já estava comprada, mas acabou
sendo cancelada e trocada por um voucher. “Essa situação está pesando. Tenho
saudade dos meus pais, do Brasil, apreensão pela saúde deles.
Então eu realmente queria muito poder ter
ido”, lamenta.
“A sensação é de muita impotência diante do
que estamos vivendo. Mas somos uma família muito realista e sabemos que não é
pra gente viajar e se expor dessa maneira, então estamos ao máximo procurando
obedecer às regras e se conformando com essa situação, porque está fora do
nosso domínio”, conta a mãe, Ana Amélia, que passará a data em Vitória, no
Espírito Santo, ao lado do filho, João Marcelo, e do marido. Já Maria irá
passar a data com o namorado, na casa dos sogros. “É o primeiro ano que eu
passo com eles, seremos somente quatro pessoas”, conta ela, enquanto
relembra anos passados da festa. “Eu moro aqui desde 2012 e gosto muito das
feirinhas que vendem produtos especiais para a época natalina, de tomar
Glühwein (tipo de vinho quente) na rua. Mas este ano cancelaram tudo”,
lamenta.
Nova perspectiva. Em terras brasileiras, na
cidade de Salvador, o casal Brenda Luana e Camila Ramos também decidiu passar a
festa junto. “A magia do Natal é a união e ela é a minha família”,
expõe Brenda, que sempre passou a data com a família, no interior da Bahia, mas
desta vez decidiu passar com a namorada, que ficaria sozinha. “Tanto pela
pandemia quanto por ela.”
Assim, a data ganhou outro significado para
Brenda. “Eu não gosto muito de Natal porque a minha família mora em Minas
Gerais e eu nunca consigo ir lá para vê-los. Quase todo ano eu passo
sozinha”, conta ela. Para a festa deste ano, no entanto, ela já enfeitou a
casa e está pensando em uma “miniceia” para comemorar “Este ano
estou gostando um pouco mais”, explica.
Apesar de a vacina estar cada vez mais próxima,
o Natal em 2020 teve de ser adaptado na casa de muitas famílias. “A vida é
um eterno esperar. E agora só nos resta esperar que a vacina chegue, que as
pessoas entendam…. um esperar com esperança”, coloca Solange.
Cuidados
A Organização Mundial da Saúde recomendou que as
festas familiares sejam suspensas em 2020. O recomendado é mesmo manter a festa
dentro do seu próprio núcleo familiar. No entanto, caso você vá visitar alguém
que não mora com você, melhor seguir alguns protocolos:
Máscara: Fique com ela o tempo todo e só tire à
mesa. O ideal é o anfitrião reservar um pratinho na mesa para colocá-las. Mas
vá prevenido: leve o seu recipiente para depositá-la e uma máscara extra para
colocar imediatamente após a refeição.
Contato: Mantenha o distanciamento – nada de
abraços na chegada ou na saída. Na hora de comer ou beber é preciso redobrar os
cuidados. O ideal é deixar as janelas bem abertas ou fazer a reunião do lado
externo. Seja breve: o encontro não deve durar mais que uma hora.
Cuidados: Os copos devem ser identificados. Nada
de compartilhar salgadinhos, petiscos ou sobremesas.