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Clipe de Michael Jackson no País teve polêmicas com Justiça, políticos e tráfico

Michael Jackson veio ao Brasil para gravar o clipe da música They Don’t Care About Us há 25 anos, em 9 de fevereiro de 1996. Na ocasião, o “rei do pop” participou de filmagens na favela do morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, e no Pelourinho, em Salvador, na Bahia.

Sua passagem, acompanhado por sua equipe e pelo diretor Spike Lee, foi envolvida em diversas polêmicas, desde a emissão de vistos, passando por críticas de diversos políticos e até a negociações com o tráfico de drogas.

Segundo o diretor Spike Lee, o clipe de They Don’t Care About Us trataria “de pessoas humilhadas em todo mundo. A maior parte do clipe se passaria numa prisão anônima”. A ideia de gravar no Brasil foi dele: “estava no script que escrevi e o Michael gostou”.

A ligação de Lee com o Brasil vinha de cinco anos antes, em 1991, quando conheceu percussionistas do grupo Olodum, que estavam excursionando pelos Estados Unidos com Paul Simon. O diretor cogitou inserir o Olodum em seu filme, Clocker’s, mas a ideia não foi à frente, então resolveu colocá-lo no clipe. As gravações seriam feitas em poucos dias na segunda semana de fevereiro de 1996.

Algumas semanas antes do início das gravações, ainda não estava decidido se as gravações seriam feitas na Rocinha ou na favela Dona Marta. Mas essa era a menor das preocupações da equipe de Michael Jackson.

Ronaldo Cezar Coelho, então Secretário Estadual da Indústria, Comércio e Turismo do Rio de Janeiro, era um dos principais opositores à vinda do cantor ao Brasil, e chegou a pedir que o Ministério das Relações Exteriores não concedesse vistos de trabalho para o cantor e sua equipe.

Vera Machado, secretária de imprensa do Itamaraty, afirmava ao O Globo: “Não está em cogitação negar qualquer pedido de visto ao cantor. Se ele vier ao Brasil, não terá sua entrada negada. Não se pode tentar esconder uma realidade que existe no País.”

No dia 31 de janeiro, o Itamaraty enviou um ofício ao consulado brasileiro em Nova York liberando a emissão de vistos para o diretor Spike Lee e outros 10 técnicos.

Pouco depois, no dia 2 de fevereiro, houve instrução para que a emissão dos vistos fosse suspensa “até que o Itamaraty esclarecesse o caso da ida da equipe ao Brasil”. Os vistos só foram confirmados posteriormente.

“É meu dever proteger o Rio contra essa lesão irreparável. Esse tipo de trabalho não é do interesse da cidade, que no próximo ano é forte candidata a sediar as Olimpíadas de 2004”, dizia Coelho.

“Para fazermos turismo na Disneylândia, o governo americano nos obriga a preencher formulários humilhantes. Não vejo por que devemos facilitar filmagens que não vão contribuir em nada para o esforço que fazemos para reerguer a imagem do Rio”, concluía.

César Maia, prefeito da cidade, à época, adotava outra postura. Ele concedeu alvará para gravação do clipe de They Don’t Care About Us e ainda mandou uma carta para que Michael Jackson assistisse ao desfile de escolas de samba no carnaval e passasse o réveillon daquele ano no Rio de Janeiro.

Spike Lee ironizava as intenções de Coelho: “Ele quer ser prefeito, não quer? Conseguiu o que queria: espaço na TV e nos jornais”.

Justiça

No dia 5 de fevereiro, mais problemas: o juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública, Lucas Felipe da Silva Haddad, deferiu um pedido de liminar que suspendia a gravação do clipe de Michael Jackson, que chegaria na cidade dali a alguns dias. O pedido de liminar, feito pelo advogado Jorge Beja, dizia que o clipe “viola o direito de imagem dos moradores da favela”. O juiz considerou que havia “uma situação prejudicial à imagem do Rio”.

A liminar era direcionada contra o prefeito, o município do Rio de Janeiro e a produtora Skylight, e se baseava no artigo 10º da Constituição e do artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA].

César Maia, o prefeito, dizia que a liminar era “ridícula”. Marcello Alencar, o governador, por sua vez, insinuava que Michael Jackson não teria autoridade para falar sobre crianças carentes, fazendo alusão a denúncias de supostos abusos sexuais recebidas pelo cantor.Para Alencar, a liberdade de expressão não estava ameaçada: “É apenas uma liminar, que pode ser revogada”.

Até mesmo Pelé, o “rei do futebol”, que à época era Ministro dos Esportes, se opôs à gravação de Michael Jackson no Brasil. “Ele pode ser o maior jogador de futebol do mundo, mas nem sempre é o melhor político”, respondia Spike Lee.

José Luis de Oliveira, presidente da Associação dos Moradores da Favela Dona Marta, disse que encaminharia um abaixo assinado ao presidente Fernando Henrique Cardoso para negociar a gravação do clipe.

“O cachê que vamos ganhar vai contribuir para melhorarmos a creche e dar um passo para abrirmos o ambulatório, que está fechado. Se o governador não quer que os turistas vejam a pobreza, que ele jogue uma lona em cima das favelas ou então transforme o morro em Copacabana ou Ipanema”, justificava.

No dia seguinte, a advogada Diana Nunes Barroso, a pedido do então vereador Antonio Pitanga impetrou um mandado de segurança para cassar a liminar que proibia as gravações no morro Dona Marta. “A liminar fere o princípio da liberdade de expressão e é prejudicial à imagem da cidade”, justificava.

No dia 8 de fevereiro, a Sony, gravadora de Michael Jackson, chegou a anunciar que o Rio de Janeiro já estava fora dos planos, mas o cantor mudou de ideia novamente no dia seguinte.

O cantor e sua equipe chegaram à capital fluminense pouco depois Spike Lee foi recebido pela senadora Benedita da Silva e por Antonio Pitanga.

Pouco antes, o diretor reclamava sobre o imbróglio para a gravação: “É tão estúpido tudo isso que não posso achar nada, só rir. Isso é um exagero. Ninguém sabe o que vamos filmar lá. Não estamos indo ao Rio para vender a ideia de que a cidade é o pior lugar do mundo”.

“A maior parte será filmada no Pelourinho, para mostrar o Olodum, que adoramos. O resto, digamos, 70%, será gravado aqui, nos Estados Unidos”, concluía.

Autorização do tráfico

Outra polêmica que envolveu a vinda de Michael Jackson ao Brasil em 1996 ocorreu por conta de uma suposta autorização de traficantes para a gravação do clipe no morro.

“A produção tinha que negociar com a pessoa certa. Não sei se ela era traficante ou não. Não sei seu nome, sua profissão, mas era a pessoa que tinha que dar o ‘ok’. Não sei também quanto foi pago”, desconversava Spike Lee.

A Skylight, produtora que organizou as gravações, afirmou que os entendimentos para filmagens foram feitos exclusivamente com a Polícia Militar, Guarda Municipal e Associação de Moradores.

José Luis de Oliveira, então presidente da Associação de Moradores do Morro Dona Marta, confirmava o fato: “O tráfico concordou. Houve a aprovação pelo tráfico, pelo César Maia, pela polícia e pela comunidade.”

‘Otário’

O então chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Hélio Luz, criticou Spike Lee: “Ele pagou porque é otário. Deve estar acostumado a fazer isso lá nos Estados Unidos e fez aqui também” Spike Lee rebatia: “Acho que fui muito esperto. A polícia tem muito pouca autoridade lá. Acho isso normal, mesmo em Nova York temos que pagar para gravar em determinados lugares.”

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