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Quando Lucas, de 8 anos, começou a perder a vontade de brincar, a mãe ficou
assustada. O menino gostava de andar de bicicleta na área externa do condomínio
onde a família mora, em Porto Alegre, mas nem isso queria mais. Também estava
irritado e qualquer coisa o incomodava. O problema foi levado à psicóloga –
eram sintomas de depressão infantil.
Associada a adultos e adolescentes, a depressão
também atinge crianças. Entre os pequenos, é mais rara (cerca de 1% das
crianças) e difícil de ser diagnosticada: os pais resistem a acreditar que o
filho pequeno tem depressão, podem achar que é birra. E as crianças nem sempre
conseguem nomear o que sentem. A pandemia e o isolamento social formam a
“tempestade perfeita” para o aumento de casos de depressão. Isso
porque, segundo especialistas, crescem fatores de risco que podem desencadear o
problema e diminuem as chances de proteção.
“Ele estava apático, não queria
brincar”, conta Laura, mãe de Lucas, de 33 anos, consultora de imagem. A
reportagem usa nomes fictícios dos pais e das crianças para preservar as
famílias. Para ela, a separação do marido no início de 2020, seguida da
pandemia, contribuiu para o quadro do filho. E a mãe se culpava e se
perguntava: “Será que eu provoquei isso?”.
Diferentemente da tristeza, primeira lembrança
ao se falar em depressão, a doença nas crianças se manifesta na forma de
irritação. “Se tirar um brinquedo do lugar, é passível de cólera Fica extremamente
aborrecida com coisas do dia a dia”, diz Kleber Oliveira, psiquiatra da
Infância e Adolescência e membro da diretoria da Associação Brasileira de
Pediatria (ABP). Só esse sintoma, porém, não é suficiente para que médicos
suspeitem de depressão.
“É uma somatória de sintomas e
sinais”, explica Lee Fu-I, coordenadora do Programa de Assistência a
Transtornos de Humor na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da
Universidade de São Paulo (USP). Outro sinal é a falta de prazer com momentos antes
prazerosos, como brincar ou fazer bolo com os pais – a criança recusa. Há ainda
dificuldade para dormir, mudança no apetite e até nas notas.
Sem conseguir expor o que sentem, crianças
pequenas podem manifestar dores emocionais em sintomas físicos, como dor de
cabeça ou de barriga. E, em casos mais graves, falam em morte ou desejo de
morrer, o que, se não for tratado, pode levar ao suicídio – algo raro em
crianças com menos de 12 anos.
Cientistas ainda não determinaram todas as
causas da depressão infantil, mas há consenso de que é desencadeada pela
genética ou fatos externos, como perda de parente ou divórcio dos pais. Na
pandemia, o luto ganha outra conotação: não é só a morte, mas a perda da vida
como era antes da covid-19 e a falta de perspectiva de retomála. Nesse quesito,
quase ninguém sai ileso. Crianças perderam contato com escola, amigos,
parentes. Em casa, notam o estresse familiar e o medo.
No fim do ano passado, Luiz, de 7 anos, dizia à
mãe: “Sou triste”. “Foi quando percebi que precisava procurar
ajuda”, conta Maria, de 38 anos. Parentes, segundo ela, foram contrários à
busca de ajuda profissional porque viam a fala do garoto como
“frescura”.
A família, de Araraquara, no interior paulista,
passou por mudanças: de casa, de emprego. Um amigo próximo se afastou. “Na
cabeça dele, tinha perdido tudo”, diz a mãe, influenciadora digital. Luiz
também chorava todos os dias e deixou de brincar e conversar com amigos no
WhatsApp.
Busca por ajuda
Nos consultórios de psiquiatras e pediatras, não
param de chegar crianças com sintomas de depressão e ansiedade. O desafio dos
médicos, agora, é entender se os relatos são, de fato, depressão ou transtornos
transitórios, provocados pelo momento de estresse a que crianças e adultos
estão submetidos na pandemia.
Pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP que
investigou a saúde mental de jovens na pandemia identificou sintomas de
ansiedade ou depressão em 27% das 7 mil crianças e adolescentes, de 5 a 17
anos. A taxa foi considerada alta pelo coordenador do estudo, o professor da
USP Guilherme Polanczyk. “Não significa que estão com depressão, mas têm
sintomas sugestivos e merecem avaliação.”
Para especialistas, é provável que a crise
sanitária leve a um aumento das taxas da doença nessa faixa etária.
“Jovens e crianças que não teriam a depressão vão ter por causa da
pandemia. E muitos já tinham suscetibilidade prévia e, com esses fatores de
risco, desencadeiam algo que estava latente.”
Professor de Psiquiatria da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Christian Kieling diz que ainda é cedo para
associar a pandemia a aumento das taxas de depressão infantil. Ele explica que
há um delay (demora) entre a exposição ao estresse e o desenvolvimento da
doença. “O que temos é uma tempestade perfeita. Se isso se traduz em mais
diagnósticos de depressão ainda não temos a resposta.” Apesar disso, diz
Kieling, crianças em sofrimento emocional merecem atenção profissional.
O tratamento é feito com psicoterapia e
remédios, em casos graves. E deve envolver toda a família “Eu estava
emocionalmente impactada. Foi difícil a separação e, na pandemia, vi minha
renda cair drasticamente. Também estava enfrentando meus monstros”, diz
Laura, que participa de parte das sessões de psicoterapia com Lucas. A família agora
tenta estabelecer uma rotina mesmo na pandemia, apesar das incertezas –
iniciativa destacada por especialistas como benéfica para cuidar da saúde
mental de adultos e crianças neste momento.
“Apesar de difícil, é bom tentar manter
rotinas positivas, como atividades prazerosas com a família, desde leituras em
conjunto a jogos. E ter uma boa rotina de sono”, diz Magda Lahorgue,
presidente do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade Brasileira de
Pediatria e professora de Neurologia da PUC-RS.