O jornalista Alfredo Caseiro sabe que o momento é difícil. Tem a pandemia, a crise do varejo de livros, a concorrência, os baixos índices de leitura, as crianças mergulhadas nas telas. Mas sonho é sonho e, nesta sexta-feira (06) aos 52 anos, ele iniciou uma nova fase: inaugurou em São Paulo a Pé de Livro, sua livraria dedicada à literatura infantil.
“Sinto que a parte essencial do que sou hoje veio com a leitura desde criança. Vivemos um momento muito desafiador, com um bombardeio de telas, e acredito que possamos fazer a diferença ao ajudar que as crianças percebam que o livro ainda é sedutor e incomparável do ponto de vista de dar asas à imaginação”, diz o novo livreiro em entrevista ao Estadão. Ele acredita que as crianças que se tornam leitoras na infância serão leitores durante a vida inteira.
A seu lado no atendimento da Pé de Livro, que fica na Rua Tucuna, 298, na Pompeia, e vai funcionar de terça a sábado, das 10h às 19h, estará Camila, sua filha mais velha, de 18 anos.
Caseiro começou a fazer o plano de negócio em meados de 2019. Visitou livrarias, conversou com livreiros, editores, professores e pais e fez uma ampla pesquisa para a montagem do acervo. Em setembro do ano passado, comprou a casa e começou a reforma. A ideia era ter inaugurado em fevereiro, mas ele foi surpreendido por um problema de saúde, que o levou a uma cirurgia delicada. “Agora, como a pandemia sinaliza uma trégua, decidi inaugurar”, conta.
Uma livraria dedicada a livros para a infância precisa de espaço para encontros, oficinas e contação de história e, por enquanto, mesmo que a Pé de Livro tenha um mezanino reservado para essas atividades, elas ainda não vão acontecer.
A Pé de Livros não é a única livraria de São Paulo especializada nos pequenos leitores, e Caseiro conta que a Casa de Livros foi também uma inspiração. Fundada em 1986 por Maria Angela Aranha na Chácara Santo Antônio, na zona sul, ela é a mais antiga. Funciona numa simpática casa, com espaço de sobra para encontros entre crianças, autores e contadores de história.
Uma década depois, no bairro da Água Fria, na zona norte, uma região carente de livrarias, o casal Malu e Douglas Souto abriu a Companhia Ilimitada depois de acumular experiência na distribuição de obras para escolas. Mais distante dali, a NoveSete foi inaugurada em 2007, na Vila Mariana. E há a PanaPaná, na Vila Clementino, também de 2007 e desde janeiro sob nova gestão.
Todas elas oferecem o mesmo tipo de serviço, mas não se reconhecem, porém, exatamente como concorrentes. Trata-se de uma soma de esforços para formar leitores. Um trabalho árduo, de formiguinha e nem sempre muito lucrativo.
“Uma livraria infantil é um ato de coragem, resiliência e, acima de tudo, de acreditar no poder transformador da palavra. São muitos desafios, mas compensados pelos sorrisos das crianças”, comenta Angela, da Casa de Livros.
Apesar de novato no ramo, Alfredo Caseiro sabe dos desafios que seu negócio terá pela frente. Por exemplo: ele até vai vender alguns títulos online, mas diz não se considerar apto para encarar o e-commerce e concorrer neste segmento. “Sobre isso, acho que é essencial que o mercado discuta formas de conter a política predatória de empresas como a Amazon, que praticam descontos abusivos que, em longo prazo, se mostraram nocivos para editoras e livrarias. Vários países já fizeram mudanças regulatórias nesse sentido e precisaremos encarar essa questão o quanto antes”, comenta.
Mas ele não desanimou com os obstáculos que já enfrentou e não teme o que virá. “Alguém que se dispõe a abrir uma livraria física durante uma pandemia e em um país esfacelado tem que ter nervos de aço”, brinca.
E, se ele não pode concorrer, em preço, com o varejo online, vai tentar, de todas as formas, fazer com que o público se sinta bem na casa de 50 m² – as crianças e também seus pais. “Muitos livros são classificados como infantis, mas são verdadeiras obras de arte, como os do André Neves. Cansei de sair de livrarias com títulos que meus filhos escolheram e outros que eu insisti em comprar por ter adorado. Na Pé de Livro, teremos uma editoria chamada: Os pais adoram”, conta o jornalista, que optou por organizar os livros de forma a mostrar mais as capas do que as lombadas para valorizar o trabalho dos ilustradores.
“Insistir na relevância do livro é um ato de resistência e amor”, finaliza o livreiro.