A startup WeCancer lançou em 2017 a primeira versão de um aplicativo para monitoramento remoto de pacientes com câncer. Por sua eficiência em aproximar as equipes médicas das pessoas em tratamento oncológico, a plataforma já conta com a adesão de diversos hospitais, possui mais de 2,5 mil usuários e realiza, em média, 800 atendimentos por mês.
Agora, a empresa acaba de ter um projeto aprovado pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), com o objetivo de desenvolver uma modelagem preventiva em relação às hospitalizações, agregando ao aplicativo tecnologias de inteligência artificial e machine learning. Dessa forma, será possível aumentar o impacto da ferramenta no Sistema Único de Saúde (SUS), evitando hospitalizações desnecessárias e reduzindo custos de tratamento.
De acordo com César Filho, cofundador e CEO da empresa, os hospitais pagam uma mensalidade para dar acesso ao aplicativo para seus pacientes oncológicos. O monitoramento é feito a partir de dados inseridos pelos próprios pacientes na plataforma.
“Nossos produtos tecnológicos incluem o aplicativo, que é acessado gratuitamente pelos pacientes, e um dashboard por meio do qual os profissionais os acompanham. Além disso, a plataforma oferece uma área de gerenciamento de sintomas, outra de organização das jornadas de tratamento, além de uma de conteúdo informativo e um chat, por meio do qual o paciente consegue interagir diretamente com a equipe de enfermagem”, explica.
No aplicativo, o perfil de cada paciente em tratamento de câncer inclui dados pessoais, medicamentos em uso e atividades cotidianas. Seus indicadores de saúde física e psicoemocional são transformados em gráficos acessados pelo médico, permitindo acompanhar o quadro clínico e a evolução do paciente durante o tratamento.
Segundo César, a WeCancer também possui sua própria equipe de coordenação de cuidado e navegação de pacientes, dirigida pelo oncologista Tiago Jorge, diretor-médico da empresa, que coordena uma equipe com psicólogo, enfermeiro, nutricionista, farmacêutico e pesquisadora clínica.
“Temos também uma unidade capaz de captar dados para transformá-los em informação e conhecimento, gerando inteligência para os hospitais parceiros, que podem utilizar esse recurso para otimizar suas linhas de cuidado”, diz César.
Esse atendimento é um dos recursos utilizados para aprimorar a qualidade de vida do paciente. “Logo entendemos que não adiantaria ter apenas o software, porque muitas vezes o paciente tem uma náusea, por exemplo, e precisa de cuidado e orientação imediata”, afirma.
Diferentes usuários
O fluxo de pacientes tem aumentado de forma incessante desde o lançamento do aplicativo. Só no mês de junho, por exemplo, foram feitos 1.100 atendimentos, segundo César, sendo que 600 foram realizados por meio do SUS. “Mais de 50% dos nossos usuários são do sistema público de saúde”, relata César.
Segundo Lorenzo Cartolano, também cofundador e CFO da WeCancer, além do modelo de negócios com foco em hospitais, a empresa também tem uma vertente voltada para a indústria farmacêutica, que busca a plataforma para oferecê-la a seus clientes.
“Na unidade de negócios voltada para a indústria farmacêutica, operacionalizamos atendimentos especiais, envolvendo imunoterapia, por exemplo, ou trabalhamos com pesquisa clínica junto a parceiros de centros de pesquisas do país, que utilizam a plataforma para monitorar e engajar pacientes ao longo de ensaios clínicos”, explica Cartolano.
Já no caso da unidade de negócios voltada aos hospitais, a empresa licencia o software e a equipe hospitalar pode utilizá-lo como canal de relacionamento com o paciente, ou pode escolher terceirizar o serviço de atenção, utilizando a equipe da WeCancer.
“Existe um custo para manter essa equipe própria, mas hoje, em função da concepção dos produtos e da tecnologia, conseguimos automatizar algumas partes do processo, a fim de ganhar eficiência e escala. Hoje, temos capacidade instalada para atender 1.600 pacientes por mês”, diz Cartolano.
Entre as instituições que já utilizam a plataforma WeCancer estão os hospitais Israelita Albert Einstein, Beneficência Portuguesa, Municipal Vila Santa Catarina e o Instituto de Oncologia do Paraná. Na unidade de negócios com foco na indústria farmacêutica, o aplicativo também é utilizado pela Roche e pela AstraZeneca.
De acordo com Lorenzo, que entrou como sócio investidor na WeCancer no início de 2017, o crescimento da empresa foi alavancado em 2018, quando a startup foi selecionada para fazer parte do hub de inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, o Eretz.bio. Os empresários tiveram contato com mentores e receberam o primeiro aporte institucional.
“Nos inscrevemos para a incubadora de startups do Einstein e soubemos que eles estavam desenvolvendo uma solução semelhante. Em abril de 2018, nossa empresa foi incubada e a instituição encerrou o desenvolvimento de uma startup interna, com objetivo idêntico, para investir na nossa empresa”, diz César.
Motivação pessoal
O pesquisador, que tem formação em biologia, e Lorenzo, com formação em administração, contam que a empresa nasceu a partir de uma trágica experiência pessoal vivida por ambos: eles perderam suas mães para o câncer. Em 2014, César acompanhou de perto o tratamento de sua mãe, que lutava contra um tumor no ovário. Criado em uma família pobre do interior de Minas Gerais, ele acompanhou o duro tratamento pelo SUS ao longo de 11 meses.
“O tratamento era realizado em outra cidade – algo muito comum no Brasil, onde poucas cidades têm hospitais de câncer – e era preciso viajar 80 quilômetros. Muitas vezes eu não sabia o que deveria fazer se minha mãe apresentasse alguma reação adversa em casa”, conta César.
Em contato com outros pacientes, o biólogo percebeu que isso é muito comum, e eventualmente as viagens são muito mais longas entre a residência de um paciente do sertão e um hospital oncológico em uma capital, por exemplo.
“A pessoa vai ao médico local e ele envia o paciente de volta à capital. É um prejuízo de saúde enorme para as famílias. Uma tragédia, porque esse paciente recorre ao pronto-socorro e metade deles nem precisava estar lá. Essa é a história de milhões de pessoas”, estima.
A partir dessa experiência, César começou a trabalhar para entender como levar o hospital para a casa do paciente. “Observei que, na maior parte do tempo, o paciente está em casa, sem acompanhamento médico. Ele desconhece os efeitos adversos, cai facilmente em fake news e a família acaba adoecendo junto”, diz.
Foi quando, por meio de amigos em comum, ele conheceu Lorenzo, que estava atuando no mercado financeiro e sabia como montar um negócio. O administrador, que também acabara de perder a mãe para um câncer de pâncreas, tornou-se sócio e fez o primeiro investimento na empresa, de R$ 80 mil.
“Eu nunca havia pensado em trabalhar com saúde, mas vivia uma história muito parecida com a do César, apesar do contexto diferente, em um hospital privado do Rio de Janeiro. Mas as dores eram muito parecidas e trabalhamos duro para fazer dessa história um negócio. A empresa nasceu do amor e da saudade, em homenagem às nossas mães”, diz Cartolano.
A premissa fundamental, segundo ele, era desenvolver uma tecnologia amigável, voltada para pacientes com pouca intimidade com a tecnologia e escolaridade baixa. Eles focaram na chamada patient centricity, que é uma maneira de observar toda a problemática da saúde pelo ângulo do paciente e não do sistema de saúde.
“Nosso objetivo a longo prazo é deixar de ser uma plataforma de terapia digital para ser uma plataforma de saúde. Isso é possível, pois há uma tendência muito forte na oncologia rumo aos medicamentos orais e subcutâneos e isso permite que os pacientes façam seu tratamento em casa – o que aumentará significativamente a relevância da nossa solução”, avalia.