Durante a pandemia, muitas foram as histórias contadas por famílias que aproveitaram as situações impostas, como o trabalho em home office ou, infelizmente, o desemprego, e a suspensão das atividades escolares presenciais para se reconectarem ou, finalmente, se conectarem verdadeiramente. São exemplos bonitos, mas que não podem ser considerados um movimento coletivo de transformação social. A verdade é que, pressionados, muitos se viram com outras grandes preocupações e o resultado foi um período onde crianças e jovens acabaram por passar muitas de suas horas nas telas de seus celulares, intensamente conectados nas redes sociais, num excesso que traz bastante preocupação e uma dúvida: é possível avaliar e impor limites no uso das redes sociais?
A preocupação é real e um de seus frutos foi uma denúncia feita no início de outubro por uma ex-funcionária do Facebook ao Congresso dos Estados Unidos, sobre o impacto de efeitos tóxicos dos algoritmos das redes sociais à saúde mental de crianças e adolescentes. Na ocasião, a engenheira e cientista da computação Frances Haugen revelou documentos que comprovavam que a gigante da comunicação tinha conhecimento dessas informações, mas que teria se omitido de tornar o sistema mais seguro. Dias depois e bastante pressionado, o Instagram divulgou a intenção, ainda sem data definida, de lançar o recurso “fazer uma pausa”, onde crianças e jovens seriam convidados a pararem por alguns momentos suas atividades e até refletirem se estão ou não exagerando no uso do aplicativo.
Agora, como a ferramenta será capaz de fazer esse tipo de diagnóstico? Seria ela a responsável por impor os limites? Para Gilson Schwartz, sociólogo, jornalista e professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP, presidente da rede Games for Change América Latina e autor de “Brinco, Logo Aprendo” (Ed. Paulus), a questão envolve uma contradição insolúvel.
“De um lado, as empresas que operam as plataformas de mídias sociais precisam ampliar continuamente seus mercados e a intensidade de uso em cada segmento ou público-alvo. De outro, as pesquisas mais recentes mostram que pais e responsáveis por crianças e adolescentes sentem dificuldade crescente para acompanhar ou mesmo controlar o consumo de mídia digital e o tempo de tela da garotada. A saída que as empresas buscam é oferecer uma espécie de auto-censura ou modelos ainda mais invasivos de controle da intimidade e da privacidade, tornando assim a integração da família ainda mais difícil. É como se a solução apontasse para uma terceirização do cuidado familiar, procurando garantir aos pais que a empresa fará o que eles mesmos já não conseguem ou não querem fazer”.
O professor da ECA-USP destaca que o que está explícito é a contradição entre necessidade de ampliar os mercados de consumo digital e a incapacidade das famílias. “A crise da família e a falta de alternativas de lazer, educação e socialização, inclusive por meio de políticas públicas, coloca as empresas e as famílias num impasse que nenhuma forma de controle ou monitoramento será capaz de resolver”.
“Por isso, o mais importante é que a família esteja verdadeiramente conectada na vida real, de forma que essas crianças e jovens que hoje passam grande parte de seus dias colados na tela, também peguem gosto pelo mundo que existe fora da virtualidade. É a família a principal chave para essa mudança”, conclui Schwartz.