Cinco meses atrás, o cozinheiro Hélio Felix, de 55 anos, abandonou Torres (RS) após perder o emprego em um hotel. Ele se mudou para São Paulo na tentativa de se reerguer. Enquanto não consegue, mora sob o Minhocão, no centro. Sem jeito, ele conta que chegou a ficar cinco dias sem tomar banho. Agora, o desempregado ganhou uma barraca de uma ONG, mas anda com as poucas roupas que restaram na mochila preta, puída.
O aumento da população em situação de rua em São Paulo, alavancado pela crise econômica e pela pandemia, acirrou a disputa debaixo de pontes e viadutos, menos expostos à chuva e às violências. Calçadas, parques e avenidas representam risco maior, além da total falta de privacidade. “É uma situação que nunca pensei que ia passar. A gente não dorme direito por causa do barulho dos carros e do medo de acontecer alguma coisa. Às vezes tem briga, tem roubo. É bem difícil”, conta o gaúcho, que chegou com apenas R$ 170 no bolso, dinheiro usado para comer. “Não tenho vícios, não fumo e não bebo. Meu sonho é encontrar um emprego. Estou esperando a resposta de um supermercado”, acrescenta Felix, viúvo, que está em busca de uma nova companheira.
Em 2015, a cidade tinha 16 mil pessoas vivendo nas ruas. No último censo, de 2019, o número subiu para 24.344. A Prefeitura ainda prepara novo levantamento, que deve ser concluído no segundo semestre, mas especialistas e entidades afirmam que o problema se agravou com a crise sanitária. O Movimento Estadual das Pessoas em Situação de Rua estima alta de 50% nos últimos três anos, com mais de 50 mil de pessoas sem casa. “Os viadutos são menos expostos à violência e, por isso, são mais cobiçados”, diz Robson Mendonça, presidente do Movimento das Pessoas em Situação de Rua. A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras contabiliza 273 pontes, viadutos e pontilhões.
Maria Gonçalves, de 50 anos, e o irmão José Jorge, de 44, também perderam o endereço na pandemia. Após serem demitidos de uma fábrica de tecidos no ano passado, não conseguiram pagar mais o aluguel, de R$ 500, no Brás. Eles e a mãe – Maria Helena, de 78 anos – se mudaram para o Viaduto Antônio de Paiva Monteiro, na zona leste. O lugar também é conhecido como ponte das pedras – foi lá que o padre Julio Lancellotti quebrou a marretadas blocos de paralelepípedos instalados pela Prefeitura na parte inferior do viaduto no início do ano.
Alvo de críticas por afastarem os moradores de rua, os paralelepípedos foram retirados. Hoje, dezenas de barracos estão ali. “A gente só conseguiu este depois de esperar um pouco, quase um mês. Tinha gente querendo também. Como já tinha conhecidos aqui, eles seguraram para nós”, conta Maria, sobre a estrutura de madeira. “Assim que a gente arrumar um emprego, a gente vai para um lugar melhor. Ainda não deu”, planeja.
Em outro barraco sob o mesmo viaduto, vive Rodrigo Evaristo Soares, de 36 anos. Todo dia, ele leva os três filhos para as ruas. Depois que a mulher se tornou usuária de drogas, o casal se separou. “Não posso deixar meus filhos sozinhos e não tenho ninguém para cuidar deles”, diz o trabalhador da área da reciclagem.
Famílias com crianças, gente que foi empurrada para as ruas pelo desemprego, evitam dividir espaços com dependentes químicos e descobrem as regras de convivência entre os sem-teto. “Não permitem o uso de drogas por perto. Há regras entre os grupos e elas são cumpridas”, afirma André Soler, fundador e presidente da SP Invisível.
Bruna Santos, de 40 anos, ainda não conseguiu uma vaga sob o viaduto. A concorrência está grande. Por enquanto, ela arma sua barraca de camping – fruto de uma doação de uma ONG – no gramado ao lado da Ponte Cruzeiro do Sul. “Todo mundo precisa de abrigo, mas famílias com criança precisam mais”, diz a ex-auxiliar de limpeza que perdeu o emprego em Catanduva, no interior, e se mudou atrás de emprego. Ela confessa ser dependente química.
Para não perder seu lugar embaixo do Viaduto Bresser, na esquina com a Avenida Alcântara Machado (Radial Leste), o desempregado Mateus Junior, de 21 anos, fez um grupo com seu próprio irmão, Renan, além de dois amigos. Moram juntos há quatro anos. Quando um sai, o outro fica. O lugar nunca está abandonado.
GOVERNO
A Prefeitura de São Paulo informa que mantém serviços de acolhimento, abrigo com alimentação e higiene básica, núcleos de apoio que também oferecem alimentação e higiene básica para a população em situação de rua.
Segundo a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, foram criadas 2.393 vagas. A pasta informa ainda que ampliou a oferta de serviços nos quais as pessoas em situação de rua têm acesso a refeições, banheiros, kits de higiene e orientações.
A Secretaria de Habitação afirma oferecer auxílio aluguel para 22 mil famílias, benefício para famílias em situação vulnerável. A pasta informa ainda que mais de 31 mil unidades habitacionais já foram entregues à população paulistana desde 2017. Desde janeiro, foram cerca de 2 mil.
Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil