Em tempos de “Lava Jato” tornou-se corriqueiro no Judiciário brasileiro a determinação de condução coercitiva de réus e investigados, antes mesmo de qualquer citação ou intimação não atendida. Recentemente o STF firmou o entendimento de que a condução coercitiva representa restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade. O artigo 260 do CPP dispunha que “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.” Contudo, era recorrente, inúmeros magistrados determinarem a condução coercitiva de acusados e/ou investigados sem qualquer fundamentação fática, apenas, como estratégias intimidativas. A matéria recentemente foi submetida ao STF, tendo o ministro Gilmar Mendes votado por proibir a condução coercitiva para interrogatórios, a ministra Rosa Weber acompanhou o relator. Divergiram, por sua vez, os ministros Alexandre de Moraes, Fux, Fachin e Barroso. A sessão terminou com o placar em 4 a 2. Em meio à crescente onda de insegurança social surge espaço para teorias radicais como a do alemão Günther Jakobs, denominada “Direito Penal do Inimigo”. Jakobs defende que o inimigo é um não-cidadão, logo dependendo da natureza do crime praticado terá sua punição antecipada, não tendo direito à ampla defesa e contraditório, devendo ser submetido à leis mais severas. O direito penal do inimigo pune o autor do delito pelo que ele é ao invés de puni-lo pelo que ele fez. Os adeptos desta teoria primam pela punição do indivíduo em face de sua suposta periculosidade independentemente de restar provada sua culpabilidade, para tanto, sofrerão medidas como quebra de sigilos bancários e fiscais não fundamentados, interceptações telefônicas sem justa causa, prisões cautelares sem fundamentação etc. O legislador brasileiro buscando proporcionar sensação de segurança à sociedade que sofre com a crescente violência de criminosos organizados, sutilmente tem incorporado em nossas legislações princípios oriundos do direito penal do inimigo, o que observamos no Regime Disciplinar Diferenciado, na Lei do Abate, que autoriza o abate das aeronaves suspeitas, na obrigatoriedade do interrogatório por vídeo conferencia em casos que o magistrado reputa ser o réu perigoso ou integrar organização criminosa, dentre outras regras que acabam atendendo aos anseios sociais e afrontando o Estado Democrático de Direito. Assim, em termos de privação ou restrição da liberdade, em sede de processo penal, é essencial que a Constituição seja obedecida rigorosamente, pois, o Estado Democrático de Direito não admite a aplicação do poder geral de cautela para finalidades não previstas no direito positivo. Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão pelo devido processo legal. O enrijecimento das leis penais e o encarceramento arbitrário de acusados adotando teorias radicais e preconceituosas não irão diminuir a criminalidade em nosso País, muito pelo contrário, tais práticas, servirão como alavanca propulsora da disseminação de erros judiciários, cometidos por juízes autoritários e despreparados que se valerão da subjetividade das leis para aplicar o direito a seu bel-prazer, independentemente das provas colhidas nos autos do processo.
Restrição da liberdade e o Estado de Direito
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