O constituinte de 1988 registrou no preâmbulo de nossa Lei Maior, que se reuniram sob a proteção de Deus, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
No tocante à estruturação dos poderes adotou-se a teoria tripartite de Montesquieu, onde Legislativo, Executivo e o Judiciário são independentes e harmônicos entre si. Essa regra é essencial para o equilíbrio e segurança jurídica do Estado Democrático de Direito. Após a promulgação da Constituição Cidadã, surgiu extrema necessidade de adequação da legislação infraconstitucional aos princípios por ela adotados, e assim vem ocorrendo até os dias atuais, como uma colcha de retalhos.
O Código de Processo Penal, periodicamente, vem sofrendo alterações pontuais, que por vezes o aproxima ao espírito democrático do Poder Constituinte Originário, como a advinda da Lei 11.690/2008, que eliminou o sistema presidencialista de inquirição de testemunhas; e tantas outras que se avizinha da teoria antigarantista do “Direito Penal do Inimigo”, defendida por Günter Jakobs; que defende a relativização e supressão de garantias processuais. Como corolário ao princípio dos freios e contrapesos o Código de Processo Penal adotou o sistema acusatório, onde, cada personagem da justiça tem delimitada suas funções, sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública e o magistrado responsável por dizer o direito ao caso concreto, devendo julgar com imparcialidade e conduzir o processo conforme dispõe a lei processual.
Assim, o magistrado concordando ou não com os mandamentos legais tem obrigação de segui-lo sob pena de ter sua decisão reformada pelos tribunais superiores quando do controle de jurisdicionalidade. Foi o que ocorreu no julgamento HC 187.035 pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que decidiu não poder o magistrado adotar o sistema presidencialista e se portar como protagonista quando da inquirição de testemunhas no processo penal. A decisão foi pautada na interpretação do artigo 212 do CPP que adota o sistema cross examination, onde as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Por maioria de votos, os ministros do Pretório Excelso concederam a ordem do Habeas Corpus, anulando os atos processuais realizados pela magistrada da 2ª Vara Criminal de Sorocaba/SP, que segundo os impetrantes, reiteradamente viola a regra art. 212, do CPP. O colegiado entendeu que a postura da juíza teria induzido respostas e prejudicado o réu.
A assertiva de Carnelutti, de que “a essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado” continua sendo atual, pois, o advogado aguerrido e conhecedor dos direitos e garantias constitucionais muda o mundo em cada caso. Deixo consignado minhas homenagens aos advogados Alberto Toron e Renato Martins, que de forma didática demonstraram que a juíza se portou como integrante da acusação ao iniciar as inquirições.