Pesquisa revela que há uma ausência significativa de mulheres negras em companhias aéreas brasileiras

Marcelo Camargo/Agência Brasil
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De acordo com uma pesquisa conduzida pela Organização Quilombo Aéreo em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), não há mulheres negras trabalhando como pilotos em companhias aéreas nacionais em todo o Brasil. Embora haja 3.283 mulheres formadas como pilotos, apenas 992 estão atuando na profissão, o que representa somente 2,3% dos trabalhadores na função, enquanto mais de 97% das vagas são ocupadas por homens. Apenas cerca de 5% dos comissários de bordo atuantes são negros, e cerca de 66% são mulheres.

A pesquisa também identificou cinco barreiras para as mulheres negras ingressarem no setor da aviação civil nacional, incluindo o custo da formação profissional, falta de informações sobre a carreira e de representatividade de outras mulheres negras, processos seletivos desiguais e não aceitação dos corpos negros. Além disso, há sete barreiras para as mulheres negras permanecerem no setor, como a falta de representatividade, o nível de cobrança, a negação do corpo negro, a não aceitação do cabelo crespo, a saúde mental/laboral, o machismo e o assédio.

A pesquisa foi conduzida em conjunto com o Grupo de Pesquisa Gênero, Raça e Interseccionalidades no Turismo (GRITus), coordenado pela UFSCar em conjunto com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e entrevistou trabalhadoras e ex-trabalhadoras negras do setor, incluindo comissárias de bordo e pilotas formadas que não estão atuando no setor no momento.

O Quilombo Aéreo é um coletivo criado em 2018 por duas mulheres negras, Laiara Amorim e Kenia Aquino, a partir dos projetos “Voe Como Uma Garota Negra” e “Voo Negro”. Seu objetivo é dar visibilidade a profissionais negros da aviação civil, realizar pesquisas acadêmicas inéditas no setor, melhorar a empregabilidade desses tripulantes e cuidar de sua saúde mental. 

Segundo Laiara Amorim, comissária de bordo e pesquisadora, as mulheres negras enfrentam muitas barreiras para entrar no mercado de trabalho da aviação civil brasileira e para permanecer atuando no setor, e é necessário que essas questões sejam abordadas pelas companhias aéreas e pela sociedade em geral.

Desaprovação?

De acordo com a coordenadora do GRITus, Natália Oliveira, professora da UFPel, “o corpo negro é rejeitado e causa incômodo, o que fica evidente na forma como as mulheres negras são tratadas em processos seletivos. Em alguns casos, por exemplo, mulheres negras foram rejeitadas por causa de seus cabelos crespos, mesmo tendo currículos melhores que os de outras candidatas brancas”.

Apesar das mulheres serem maioria nos cursos superiores de turismo, elas ocupam principalmente posições precárias no mercado de trabalho, especialmente nas áreas de hospedagem e alimentação. Um exemplo disso é uma das entrevistadas pela pesquisa do Quilombo Aéreo, que foi contratada como comissária, embora estivesse qualificada para ser piloto. A empresa alegou que ela não estava preparada, mas contratou um homem com o mesmo perfil. Exemplifica Laiara Amorim.

Assédio…

Durante a pesquisa realizada, um fato preocupante foi identificado: as profissionais negras do setor turístico são frequentemente vítimas de assédio sexual, moral e psicológico, seja por seus colegas de trabalho ou pelos clientes das empresas aéreas. Esse tipo de comportamento é mais comum entre comissárias de bordo, recepcionistas e camareiras, e atinge de forma mais acentuada as mulheres negras.

As entrevistadas relataram que o assédio acontece de várias maneiras, incluindo comentários desrespeitosos sobre sua aparência ou questionamentos sobre sua capacidade de estar naquele ambiente. “Por exemplo, uma pilota já chegou a fazer um comentário racista ao comparar uma profissional negra a uma passista de escola de samba. Em outros casos, homens perguntaram sobre o salário da tripulante e ofereceram-se para pagar mais. Relatou Gabriela Santos, uma das pesquisadoras do estudo.

Para combater essa situação, o Quilombo Aéreo trabalha com três pilares fundamentais: empregabilidade, educação acadêmica e formação técnica. Atualmente, a organização está em campanha para arrecadar fundos e formar uma nova turma do Projeto Pretos que Voam, que capacita e emprega jovens negros de periferia. Além disso, eles oferecem apoio psicológico, acompanhamento de carreira e empoderamento, buscando reconhecer a beleza e o valor estético e econômico dos profissionais negros.

Projeto: “pretos que voam”

Uma iniciativa importante para capacitar e empregar jovens negros de periferia é o Projeto Pretos que Voam. Sua primeira turma foi formada em 2021 e, atualmente, está em andamento uma campanha de arrecadação para a segunda turma. Segundo a representante do Quilombo Aéreo, todos os participantes da primeira turma foram aprovados na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e alguns já estão empregados como comissários de voo.

Para financiar o Projeto Pretos que Voam, é possível fazer doações a partir de R$ 10 pela plataforma Benfeitoria. Essa iniciativa é extremamente importante para promover a inclusão social e profissional de jovens negros, ajudando a diminuir a desigualdade racial e a ampliar as oportunidades de trabalho no setor turístico.

Inclusão

A Latam anunciou recentemente a abertura de um processo seletivo exclusivo para mulheres no Brasil para a posição de copiloto de aeronaves da família Airbus A320. A companhia aérea afirmou que pretende preencher pelo menos 50 vagas até dezembro de 2023, visando promover a equidade de gênero com foco na diversidade e inclusão. Embora essa iniciativa seja importante, a representante do Quilombo Aéreo, Laiara Amorim, destacou que ainda são necessárias ações afirmativas para apoiar e capacitar mulheres negras.

De acordo com o mapeamento do Quilombo Aéreo, não há mulheres negras que atendam aos requisitos específicos para essa vaga, como o número de horas de voo, o que reforça as barreiras identificadas na pesquisa, especialmente em relação ao acesso à formação. A maioria das mulheres negras são responsáveis pelo sustento da família e muitas vezes têm que escolher entre a formação e a sobrevivência. Quando conseguem conciliar as duas coisas, não avançam na mesma velocidade que homens e mulheres brancas.

Para as companhias que realmente se comprometem com a equidade de gênero e raça na cabine de comando, é necessário olhar para o processo de formação e a situação atual das mulheres negras no país, oferecendo suporte, apoio e oportunidades de formação adequadas. Somente assim será possível criar uma indústria aérea verdadeiramente diversa e inclusiva.

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