Ao empreender, sempre tem aquele amigo ou familiar para te dar diversos conselhos e resolver todos os problemas da sua empresa. “Se você abrir o próprio negócio, vai trabalhar menos” ou “Se você abrir uma franquia, vai ganhar dinheiro fácil e ela vai rodar sozinha”.
Esse e outros mitos são repetidos diariamente e insistem em perpetuar a ideia de que empreender é fácil e que não demanda trabalho duro e capacitação. Por isso, não é raro ouvir que determinado negócio não tem como dar errado e que lidar com pessoas é fácil, basta pagar bem. A realidade, no entanto, é bem diferente.
A reportagem ouviu cinco empreendedores sobre os desafios que enfrentaram para abrir o próprio negócio e as mentiras que ouviram durante esse processo. Eduardo Córdova ouviu que o negócio não tinha como dar errado, mas sua academia quebrou. Já para Igor Vendas, a informação era de que uma franquia andava sozinha, sem precisar de muito esforço. Hoje trabalha como nunca Confira a seguir o depoimento de alguns empreendedores:
‘Isso não tem como dar errado’
Eduardo Córdova está em seu trigésimo CNPJ. Hoje ele é CEO da Market4u, uma empresa criada em 2020 e que fornece máquinas para mercadinhos autônomos, ou seja, aqueles instalados em empresas e condomínios. Ele explica que esse é o negócio mais bem-sucedido que já teve, com previsão de faturamento de R$ 160 milhões neste ano. Mas esse cenário só se tornou realidade graças a inúmeros projetos que não deram certo. Cada um trouxe um aprendizado diferente para ele.
O primeiro negócio foi um posto de combustível, que comprou antes dos 20 anos, com ajuda do pai. Como o nicho prosperou, ele chegou a ter sete unidades no portfólio e, com os lucros dessa rede, formada em Curitiba, no Paraná, tentava se arriscar em outras oportunidades. “Eu usava quase todo o lucro dos postos para coisas novas. Já abri e fechei cerca de 30 CNPJs, por muita tentativa e erro”, conta.
Uma das tentativas de novos empreendimentos foi uma academia, contexto em que ele ouviu um dos principais mitos relacionados à abertura de um negócio: “Isso não tem como dar errado”. “Chegaram a me falar que todo mundo ganha dinheiro com academia, que o serviço estava em alta, mas a gente fracassou. A concorrência era muito forte e as nossas margens foram massacradas por grandes redes”, explica Córdova.
Passados os negócios que deram errado, ele complementa que a principal lição que tirou de tudo foi que nada é possível ser iniciado sem estudo, método e análise mercadológica. “A sua vontade não é o suficiente.” Atualmente, além da Market4u, ele tem participações em inúmeras outras empresas, como o escritório de contabilidade do pai, um escritório de advocacia e um posto de gasolina, remanescente da rede que teve.
‘Agora você pode trabalhar quando quiser’
Ellen Fernandes ouviu justamente o oposto de Córdova em relação ao mercado de academias ao abrir o seu primeiro negócio em 2013, na Zona Norte de São Paulo. “Todo mundo dizia que não ia dar certo e que a academia não dá dinheiro”, conta.
Ela, enfermeira, e o marido, educador físico, decidiram abrir um negócio porque imaginavam que as possibilidades de lucro eram maiores, com mais espaço para crescer financeiramente. Enquanto Ellen atuava em um hospital em regime CLT, mês a mês, o casal comprava alguns equipamentos usados e estocava na casa de familiares, vizinhos e amigos.
Quando juntaram máquinas suficientes para abrir a primeira academia, Ellen tentou equilibrar o trabalho como enfermeira e o próprio negócio, mas logo percebeu que teria que investir todo o seu tempo na empresa.
“Para as pessoas eu era a louca que trocou a estabilidade da carteira de trabalho assinada para me arriscar e abrir o meu negócio”, diz.
Ellen conta que, há 10 anos, o mercado da academia não era tão promissor como hoje em dia e que o fim da pandemia também foi um grande impulsionador desse crescimento. Com o desejo de mudar os hábitos, a população começou a procurar ainda mais formas de ter uma vida saudável, o que ajudou a Red Fitness a expandir o negócio e abrir outras 3 filiais na Zona Norte de São Paulo.
“As pessoas acham que, quando abrimos o nosso próprio negócio, nós trabalhamos menos, mas é exatamente o oposto”, conta. “A verdade é que eu só comecei a ganhar dinheiro de verdade depois de 10 anos com o negócio. É muito tempo investido.”
“Lidar com as pessoas é fácil. Só pagar melhor que a concorrência”
Luciana Piquet, fundadora e CEO da SPA Express, aprendeu no dia a dia que a gestão de pessoas é fundamental para a operação de um negócio. Formada em administração e direito, um dos mitos que costumava ouvir era: “Lidar com pessoas é fácil. Só pagar melhor que a concorrência”.
Ela começou o empreendimento, por volta de 2011, com serviços de manicure em salas de espera de consultórios. Hoje, o negócio já mudou: a atuação, em resumo, é em domicílio e não existe mais o serviço de manicure. Agora, o foco é o bem-estar, com massagens e outras especialidades realizadas por terapeutas profissionais
“A gestão de pessoas vai além do dinheiro. Claro que faz parte, mas o gestor precisa se preocupar em construir uma cultura favorável, para que as pessoas cresçam e sejam felizes no dia a dia, com relação de reconhecimento, oportunidades, e criando vínculo de confiança”, diz Luciana.
‘Abrir uma franquia é fácil, é só deixar a operação rodar sozinha’
Igor Vendas esteve dos dois lados do balcão, primeiro como franqueado e agora como franqueador, à frente da Magnólia Papelaria. O sócio fundador da empresa e diretor de Operações afirma que a experiência prévia no mercado foi um ponto importante para conseguir impulsionar o crescimento da companhia e tornar mas eficiente a relação com os franqueados.
“Eu mesmo acreditava nesse mito de que é só colocar o dinheiro ali que a franquia vai rodar sozinha”, conta Vendas. Na prática, no entanto, o negócio exige tempo e muita dedicação para ter sucesso.
Segundo ele, por entender quais são as dores dos operadores, um dos pilares da companhia é o foco no franqueado. Para isso, além de toda estrutura oferecida para montar a franquia, foram criados diversos canais de comunicação para tornar a relação franqueador/franqueado mais fluida. Além disso, existe um comitê de franqueados que ajuda na tomada de decisões conjuntas.
“Os franqueados são multiplicadores”, explica. “O papel do operador é essencial para o sucesso do negócio. É preciso investir em uma relação de parceria, precisa ser um ganha-ganha”, complementa.
‘Vou ter meu próprio negócio para trabalhar menos’
Após uma viagem à França, os amigos Roger Righi e Valquiria de Marco decidiram unir suas experiências no varejo e na confeitaria para investir em um negócio 100% voltado à produção de um único doce francês: o macaron. Durante um ano e meio testaram receitas até adaptar os ingredientes ao paladar brasileiro e começarem as vendas em 2017. Assim como a Magnólia, a Le Petit Macarons também atua em um modelo de negócios de franquias e já chegou a 25 unidades pelo Brasil.
“Quando você se torna empreendedor você trabalha muito mais. A cada novo passo que você dá no seu negócio, maior é sua responsabilidade”, diz.
Isso se intensifica ainda mais quando o assunto é franquia. Segundo ele, é preciso investir em muito treinamento, capacitação e em ferramentas de engajamento. Além disso, é indispensável repassar o espírito empreendedor para os franqueados, que serão o principal contato dos consumidores com a marca.
“Se alguém falta, quem precisa estar lá é o dono da franquia. Se você está abrindo um negócio e está achando que você vai ficar sentado na mesa tomando chá enquanto o negócio está acontecendo, você não vai prosperar, então não pode ter uma franquia nossa”, completa.