Há uma relação intrínseca entre a liberdade de consciência e o movimento em direção à laicidade do Estado. Quanto mais o Estado se torna laico, mais a liberdade de consciência é reconhecida e protegida. Da mesma forma, quanto menos a liberdade de consciência é respeitada, mais distante estamos da laicidade e da democracia.
Essa conexão profunda entre ambos os princípios é fundamental para uma sociedade pluralista e democrática. O reconhecimento da liberdade de consciência como um direito fundamental é essencial para assegurar a diversidade de crenças e convicções na sociedade. Quando o Estado adota uma postura laica, ele se torna neutro em relação às diferentes religiões e ideologias, tratando todos os cidadãos de forma igualitária, independentemente de suas convicções pessoais.
Isso promove a coexistência pacífica e o respeito mútuo entre os membros da sociedade. A liberdade de consciência é a fonte do pluralismo, um pilar indispensável para a democracia. Em uma sociedade democrática, as vozes e perspectivas de todos os cidadãos devem ser ouvidas e respeitadas.
A laicidade e a democracia andam de mãos dadas, pois ambas defendem a igualdade de direitos e a proteção das liberdades individuais. A construção de um Estado laico não significa negar ou reprimir a religiosidade das pessoas. Pelo contrário, significa garantir que cada indivíduo tenha o direito de praticar sua fé e viver de acordo com suas convicções, desde que não viole os direitos fundamentais dos outros.
É uma busca pela harmonia entre a esfera pública e a esfera privada, reconhecendo que a religião tem um lugar na vida pessoal, mas não deve impor-se no âmbito político. O STF, ao julgar a ADPF 54, que tratou da anencefalia, firmou o entendimento de que a laicidade não se confunde com o laicismo. Laicidade significa neutralidade religiosa por parte do Estado, enquanto o laicismo representa uma atitude de intolerância e hostilidade estatal em relação às religiões.
Portanto, a laicidade é a marca do Brasil, mantendo-se o Estado em posição de neutralidade axiológica, mostrando-se indiferente ao conteúdo das ideias religiosas. É importante frisar que, mesmo sendo laico, o Brasil é um país teísta, sendo que todas as Constituições, exceto as de 1891 e 1937, invocaram a “proteção de Deus” quando promulgadas, expressando assim um inegável símbolo de religiosidade.
Dessa forma, o Estado laico não significa Estado ateu, pois o ateísmo também é uma concepção religiosa. Na verdade, o Estado laico é aquele que mantém uma postura de neutralidade e independência em relação a todas as concepções religiosas.
O Judiciário brasileiro tem entendido que a presença de crucifixos ou símbolos religiosos em um tribunal não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, tampouco afeta o Estado laico, pois não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião, e não fere o direito de quem quer que seja. Tal prática está inserida na cultura e tradição do povo brasileiro.
No caso da guarda sabática, o STF entendeu que deve ser respeitada no caso de concursos públicos, desde que estejam presentes a razoabilidade da alteração e a preservação da igualdade entre todos os candidatos. Com relação à expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de real, o STF entendeu ser constitucional, considerando que o Brasil é um país laico, mas não ateu. O sacrifício de animais em cultos de religiões de matriz africana também foi admitido pelo STF, uma vez que a tutela de um valor constitucional relevante, como a proteção ambiental, não deve aniquilar o exercício da liberdade religiosa, revelando-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso quando diariamente a população consome carnes de várias espécies.
Com relação aos feriados religiosos, o STF sustenta que não são inconstitucionais, uma vez que são admitidos em seu caráter histórico-cultural. Com relação ao efeito civil do casamento religioso, considerando que não existe uma religião oficial e que a liberdade religiosa está assegurada, podemos afirmar que o matrimônio celebrado em um centro espírita ou em qualquer outro templo, catedral, sinagoga, terreiro ou casa religiosa, por líderes de qualquer religião ou crença, possui o mesmo efeito civil do casamento realizado na religião católica.
Ao caminharmos rumo à liberdade de consciência e à consolidação do Estado laico, estamos promovendo valores fundamentais para uma sociedade pluralista, democrática e respeitosa. É uma jornada desafiadora, que requer diálogo, transformações institucionais e respeito à diversidade. No entanto, é uma caminhada necessária para a construção de um país mais justo, inclusivo e igualitário, onde a liberdade de consciência seja garantida a todos os cidadãos, independentemente de suas crenças e convicções.