Aproximadamente um terço dos professores da educação básica sofre da síndrome de burnout, segundo estudo feito na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Salários defasados, violência nas escolas e pressão por resultados estão entre os fatores que contribuem para a aumentar o estresse no exercício da docência.
A pesquisa avaliou 397 professores, de vários Estados, de colégios públicos e privados. “Professor lida com violência física e verbal na escola, falta de estrutura, sofre pressão da gestão escolar e da exigência dos pais”, diz Raphaela Gonçalves, que conduziu o levantamento durante o mestrado em Ciências da Saúde.
Ela, que atua como professora e tem licenciatura em Biologia e Pedagogia, ainda destaca a falta de valorização. “A baixa remuneração exige carga horária cada vez maior para se manter financeiramente, fora o acúmulo de função, tendo um papel de psicólogo, de assistente social e na família”, diz.
No estudo, foi distribuído entre professores um formulário online, com três questionários. Um deles era sobre a prevalência de burnout, com 25 perguntas de quatro dimensões: esgotamento pessoal (exaustão não relacionada a aspectos laborais); burnout relacionado ao trabalho (exaustão e frustração ligadas ao trabalho); burnout ligado aos alunos (influência da relação professor-aluno no entusiasmo profissional); burnout relacionado aos colegas (sentimentos frente à equipe com a qual o profissional lida).
Após perguntas sobre cada variável (por exemplo “sente-se exausto logo pela manhã quando pensa em mais um dia de trabalho?”), o professor assinalava a frequência com que se identificava com a frase. O segundo formulário era sobre satisfação no trabalho, com 66 perguntas. Entre os tópicos, salário, responsabilidades, colegas, condições de trabalho e reconhecimento. O outro questionário era sobre dados sociodemográficos. Em 32,75% dos participantes, havia sinais de burnout.
HOMENS E MULHERES. Segundo a pesquisa, a prevalência dos sintomas de esgotamento entre homens e mulheres era parecida. “Não teve um mais afetado que o outro. Mas, quando cruzamos os dados, vimos que fatores demográficos e a satisfação no trabalho afetavam esses grupos de maneira distinta”, diz Raphaela.
Segundo o estudo, maiores salários conferem diminuição das chances de esgotamento pessoal entre homens. Já para mulheres, quanto maior o salário, maior o risco de esgotamento. “Para ganhar mais, ela tem de trabalhar mais, sofre mais cobrança. Em casa, ela continua trabalhando. Para mulher, fatores positivos no trabalho a deixam mais propensa ao burnout.”
O mesmo vale para as mães. Quanto maior o número de filhos, a mulher tem mais risco de esgotamento pessoal. Já no homem, o número de filhos é inversamente proporcional ao risco de desenvolver o transtorno. “Provavelmente para o homem, filho traz mais satisfação. Não que a mulher não se sinta realizada com os filhos, mas é um trabalho a mais, uma responsabilidade além.”
Outro ponto que chama a atenção foi a maior satisfação entre professores da rede pública. “Pode ter a ver com o fato de que professores da rede pública entendem sua função como propósito, meio de mudança. É um pouco diferente do professor na rede particular, que tem cobrança muito maior. Os pais, como pagam pelo ensino, estão muito mais presentes e exigem mais.”
‘MEDO ABSURDO’. Foi justamente a baixa satisfação com o emprego numa escola particular que levou Vanessa Paula Teixeira, de 47 anos, ao quadro de burnout há quase dez anos. A pedagoga, que atua na área há 20 anos, antes lecionava para pessoas com deficiência (PcD), mas aceitou ir para a rede privada pelo salário ser mais alto. “Foi a pior coisa que fiz. Tudo que eu ganhava gastava em remédio”, relembra.
Segundo Vanessa, o esgotamento estava atrelado a fatores como pressão psicológica por parte da gestão e dos pais, prazos incompatíveis, sobrecarga e assédio moral. “Não conseguia dormir Porque dormir significava virar o outro dia”, diz. “Começava a dar o horário de ir trabalhar, me dava uma falta de ar que parecia que eu ia morrer. Era um medo absurdo do horário de estar naquele lugar”, relata Vanessa, que também diz ter emagrecido por falta de apetite. Ela buscou auxílio de psicólogo e de psiquiatra e tomou remédios. Após dois anos, a escola a demitiu quando ela voltou de licença, justamente por questões de saúde mental. Vanessa então deixou de lado a educação por alguns anos e depois retornou como professora infantil na rede pública. “Hoje vivo em outra realidade.”
Segundo a neuropsicóloga Carolina Garcia, que estuda a saúde mental na docência, entre os sintomas do burnout estão o desejo de se afastar do trabalho, pensamentos negativos sobre sua atuação e mudança no comportamento alimentar e do sono. O tratamento deve ter acompanhamento psicológico e psiquiátrico e, em muitas situações, é necessário afastamento do trabalho, no mínimo, por seis meses. “É difícil se recuperar no mesmo ambiente que a gente acabou adoecendo”, pondera.