A história está misturada aos ingredientes que compõem os sabores da cozinha caipira e tropeira de São José do Barreiro, celebrados no 1º Festival Gastronômico, ocorrido de 8 a 11 de junho. Dos povos originários aos afro-brasileiros e sertanejos que ocuparam o Vale do Paraíba, a linha do tempo dessa união de culturas e costumes foi representada nos quatro dias que movimentaram a cidade histórica com centenas de turistas, chefs de primeira, boa música e feiras de produtos locais agroecológicos e artesanais.
Este resgate histórico com o sabor tradicional da farofa de içá, de queijos e doces caseiros, charcutaria artesanal e milho crioulo foi muito bem explorado nas aulas-shows dos chefs, que deram um toque contemporâneo e de especialista a esta culinária cunhada desde as origens mais remotas do Brasil.
Aline Guedes abriu na quinta (8) a série de aulas-shows, com a assinatura da cozinha dos quilombos, que ela pesquisa e está na base de seu estilo gastronômico. Com azeite de dendê e farinha de milho crioulo produzido pela agroecologia barreirense, a chef misturava no caldeirão os ingredientes de sua receita de pirão de fubá com dendê, ao mesmo tempo em que contextualizava a causa de suas pesquisas e reafirmava a defesa de dar títulos às terras ocupadas tradicionalmente pelos quilombolas.
“Com diferentes tamanhos, o pilão costuma ser usado em partes do continente africano por várias mulheres ao mesmo tempo, de forma alternada e, em alguns casos, é comum que se faça isso enquanto cantam suas músicas tradicionais. Nossa cozinha afro-brasileira carrega o pilão em seus preparos e ritos, assim como o percebemos também na culinária dos nossos povos originários”, explicava a chef sobre a produção artesanal do dendê e outros elementos culinários.
Charcutaria artesanal
A pesquisa e o resgate de elementos que estavam perdidos no tempo também é a base da produção de Rafa Bocaina, chef conhecido Brasil afora pela arte na charcutaria praticada em sua propriedade rural, no Vale Histórico, onde utiliza milho crioulo vermelho na criação de porcos caipiras, um tipo de suíno diferente da maioria das criações de abatedouros atualmente, que é tido de carne mais macia e saborosa.
Foi com esses elementos ancestrais que o chef apresentou no segundo dia do festival o bolinho de carne de redanho, uma parte específica de gordura em torno do estômago, que hoje é descartado no Brasil, mas em países como a França, é um elemento vendido nas boutiques de carnes e de alto valor para dar sabor e textura aos pratos.
“É esta referência que se perdeu da gênese da cultura caipira e do sertanismo”, diz o chef. “Aqui, o sertão dos caminhos, nas terras de passagem, o caipira instalou-se e aprendeu com os povos originários. A Rodovia dos Tropeiros (a SP-068) carrega uma memória secular desta história, que passa pela atividade de subsistência do caipira e do comércio do excedente de sua produção. O redanho é um destes produtos que, infelizmente, hoje é usado na indústria para virar sabão”, contextualiza Rafa.
Vale do Formoso
Ronaldo Canha também apresentou no terceiro dia do festival o sabor que vem da terra do Vale do Formoso, referência a um bairro tradicional de São José do Barreiro, onde mantém em sua propriedade uma produção mensal de oito toneladas de tomates, fruta que tornou-se uma das especialidades de sua culinária, assados e com toque especial nos temperos. O público pôde degustar seus tomates semidesidratados ao forno e um arroz de leitão com frango e linguiça caipira, elementos que estão na base a culinária tradicional.
O chef, que há cerca de 50 anos tem propriedade em São José do Barreiro, mantém sua própria marca de produtos artesanais, entre molhos, compotas e outras gostosuras gastronômicas, consumidos em áreas nobres do Rio de Janeiro, onde atuou em restaurantes seletos.
Arroz tropeiro
O encerramento do Festival Gastronômico, no domingo (11), foi com a estrela da tevê, o chef Olivier Anquier, que também é um dos assíduos visitantes de São José do Barreiro, onde tem propriedade e casa de veraneio. Compartilhou lembranças com o público enquanto sua receita de arroz tropeiro, com linguiça, bacon e feijão de corda produzido no arado ganhava forma e sabor da tradição barreirense, degustado depois pelo público.
“Foi aqui que iniciei as gravações de meu programa de tevê”, contou Olivier, que já dedicou livro de receitas à culinária da Serra da Bocaina. “O Vale Histórico tem uma história muito presente na evolução do Brasil e a cozinha é uma parte viva disso”, afirma.
Pesquisa e tradição
Ainda durante o festival, a Secretaria de Turismo de São José do Barreiro homenageou personalidades importantes que pesquisaram ou ainda pesquisam a cultura caipira e tropeira do Vale Histórico, região paulista que reúne cidades históricas na confluência dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Entre os homenageados estão o culinarista Ocílio Ferraz, João Evangelista Faria, o João Rural, cuja obra inspirou a criação do Instituto Chão Caipiria; Licéia Franklin de Oliveira, a Dona Licéia, cozinheira de Arapeí, especializada em comida tropeira. Entre os convidados das prosas está o pós-doutorado e especialista em sociologia da alimentação, Carlos Alberto Dória, autor dos livros “Formação da Culinária Brasileira – Escritos sobre a Cozinha Inzoneira” (2014) e “A Culinária Caipira da Paulistânia – A História e as Receitas de um Modo Antigo de Comer”.
“Cumprimos o objetivo de promover, com o turismo, a celebração da história de nossa cidade com este festival gastronômico, que foi sucesso de público. O entendimento das origens e costumes da culinária tradicional foi passado com uma linguagem muito leve e uma interação entre chefs e turistas bastante descontraída. É com esta proposta que São José do Barreiro contribui com a valorização cultural e do patrimônio histórico da nossa região”, conclui Ana Paula Almeida, secretária de Turismo de São José do Barreiro.
Sobre São José do Barreiro
Portal do Parque Nacional da Serra da Bocaina, a cidade fica na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro. Preserva um precioso patrimônio cultural e histórico que retrata períodos importantes do Brasil, desde o ciclo do café. São José do Barreiro também é conhecida por seus atrativos de natureza, turismo de aventura e culinária tropeira.