Reverenciada pela americana Simone Biles, adversária em cinco finais nos Jogos Olímpicos, multicampeã na ginástica artística e reconhecida como uma das principais ginastas do mundo, Rebeca Andrade é uma das maiores – senão a maior – estrela entre os 277 atletas que representam o Brasil em Paris. A imagem de ícone foi reforçada nesta terça-feira, quando liderou a equipe brasileira rumo à medalha de bronze, em pódio inédito.
A estrela brasileira da ginástica é uma das favoritas ao ouro no salto, modalidade em que subiu no lugar mais alto do pódio nos Jogos de Tóquio, em 2021, – ela também ganhou a prata no individual geral. Depois da última Olimpíada, Rebeca se consolidou como uma das ginastas mais completas do mundo.
Em Tóquio, a paulista de Guarulhos se tornou a primeira atleta mulher brasileira a conquistar duas medalhas em uma mesma edição olímpica. E foi além. Seus feitos foram as duas primeiras medalhas da história na ginástica feminina da competição. A carismática atleta, de sorriso largo e encantador, também disputou a prova de solo ao som de “Baile de Favela”, em uma apresentação memorável, mas terminou na quinta colocação.
Depois do salto para a história, com duas medalhas em Tóquio que lhe trouxeram notoriedade, fama, dinheiro e reconhecimento, Rebeca acelerou sua evolução e subiu ao pódio nove vezes no atual ciclo olímpico. Suas conquistas incluem cinco medalhas no Mundial da Antuérpia, na Bélgica, e quatro nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile.
“A gente quer chegar para fazer o nosso melhor, para mostrar a melhor ginástica que o Brasil tem. Para gente continuar conquistando nosso espaço, continuar conquistando nossos momentos inéditos e históricos que vêm acontecendo. Mas sempre com a cabeça no lugar de fazer o nosso trabalho”, afirmou ela ainda na chegada a Paris.
As conquistas não trouxeram pressão, considera a atleta, que compete sem pensar nas outras adversárias – mesmo que do outro lado esteja a amiga Simone Biles – e não liga para as altas expectativas sobre ela.
“Eu foco na minha expectativa, no que eu quero fazer e no que eu posso apresentar. A única pessoa que posso controlar sou eu mesma. Se eu pensar no que os outros querem que eu faça, não vou pensar na coisa certa”, justificou. “Eu sei que as pessoas ficam animadas e querem que eu ganhe medalhas. Eu também quero, mas o foco tem que estar no lugar certo”.
Carismática, ela costuma dizer que quer dar “110% de si em Paris”. O certo é que Rebecca mostrou a habitual leveza, alegria e elegância na competição. “O que mais quero é sair da competição com a certeza de que não poderia ter feito nada de diferente.”
ESTRELA PUBLICITÁRIA
Rebeca não se alonga. Fala pouco, mas é sempre simpática com quem lhe aborda. Não raro é a atleta mais requisitada no espaço em que está, seja com suas companheiras de ginástica ou com esportistas de outras modalidades. Ela se habituou a atender com gentileza os pedidos de autógrafos e fotos. Sua história pessoal foi até mesmo registrada em uma das peças da campanha do governo federal que foi ao ar no fim do ano passado.
As glórias e o carisma transformaram a brasileira na queridinha das marcas, tornando-se estrela da ginástica e na publicidade. Seu rosto e seu nome estão associados a diferentes produtos: boneca, alimentos, eletrônicos, chinelo, roupa, maionese e carro Foi ela a escolhida para ser a garota-propaganda do uniforme de desfile e de viagem do Time Brasil, confeccionado pela Riachuelo
PERTO DA MÃE
Cria de um projeto social, Rebeca, filha da empregada doméstica Rosa Santos, andava duas horas a pé para treinar no Ginásio Bonifácio Cardoso, na Vila Tijuco, em Guarulhos. Depois, o irmão mais velho comprou uma bicicleta usada para levar a irmã. Aliviou um pouco.
Rebeca começou a carreira aos 5 anos no projeto social Iniciação Esportiva, da prefeitura de Guarulhos, para crianças e jovens entre 7 e 17 anos. Foi no dia da inscrição que ela ganhou o apelido de “Daianinha”, uma homenagem à Daiane dos Santos, primeira ginasta brasileira, entre homens e mulheres, a conquistar uma medalha de ouro em uma edição do Campeonato Mundial.
“A Rebeca chegou com a tia no ginásio, toda tímida. Quando pedi a ela para dar um salto, logo vi um talento que precisaria ser lapidado. Eu pedi para ela começar no dia seguinte”, contou Mônica Barroso dos Anjos, primeira professora e árbitra de ginástica. Rebeca treinou ali por cinco anos, entre 2005 e 2010. Com apenas nove, ela foi treinar no Centro de Excelência de Ginástica do Paraná, mantido pela prefeitura de Curitiba. Lá foi criada a primeira seleção brasileira permanente.
“A ginástica foi a maior oportunidade da minha vida, aquele projeto social foi a maior oportunidade da minha vida, mas quando eu era pequena não entendia isso. Para mim, no começo, estava em um parque de diversão fazendo algo de que gostava muito. Quem entendeu isso foi minha mãe, meus irmãos, minha tia e os profissionais que trabalharam comigo e viram que eu tinha algo a mais para me desenvolver e crescer na ginástica. A partir do momento em que criei esse entendimento, continuei trabalhando duro para que crescesse no esporte”, lembrou a campeã olímpica.
Rebeca tem a torcida da mãe de perto. Rosa fez sua primeira viagem internacional para assistir à filha a poucos metros. Ela vive a expectativa de ver de perto a conquista de uma medalha olímpica, uma vez que não esteve em Tóquio. “Tudo que passamos lá atrás e todos os saltos da infância nos fizeram chegar até aqui. São sonhos que realizamos juntas, e eu só quero poder abraçá-la ao final de tudo e dizer que sou privilegiada em ser mãe da Rebeca e o quanto estou feliz e orgulhosa”, disse Rosa, que viajou à capital francesa a convite de Parmalat WheyFit, patrocinadora da atleta.
COMO O BRASIL PODE PRODUZIR E PREPARAR NOVAS REBECAS?
As duas medalhas de Rebeca em Tóquio e o bom início em Paris são um alento em um cenário de dificuldades para a formação de novas ginastas. De acordo com pais e mães de atletas, o projeto de Iniciação Esportiva da prefeitura de Guarulhos, o mesmo que formou Rebeca, não oferecia vale-transporte e alimentação antes da pandemia. Por isso, as atletas que saíam do colégio diretamente para os treinamentos levavam marmitas. Não há verba para as viagens para as competições nem equipe completa de apoio Faltam psicólogos e médicos.
O pensamento de Rebeca é de que políticas públicas esportivas somadas ao incentivo dos familiares e ao esforço dos jovens atletas são fundamentais para que surjam novas Rebecas. “O jovem vai começar a aproveitar aquela oportunidade porque é algo que muda a vida dele. Se é o sonho dele, tem de acreditar que ele é capaz de realizá-lo”, enfatizou.
“É difícil porque não é como se fosse uma fórmula. Poderíamos ter mais equipamentos públicos, ONGs, projetos sociais que levassem os esportes, não só a ginástica, para mais lugares para que as pessoas pudessem ter mais acesso. Às vezes, até tem um ponto bom de ginástica, mas a pessoa mora longe. Se é uma família com pouca condição, como era a minha, fica mais difícil para a criança, mesmo sendo talentosa, chegar àquele local para crescer naquele esporte. Criando equipamentos esportivos, fica mais fácil para as famílias incentivarem e apoiarem”, refletiu ela em entrevista ao Estadão.