Nas últimas semanas muito se tem discutido sobre o projeto anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Os apoiadores do atual governo, em regra, se posicionam a favor das medidas, buscando o apoio social por meio de discursos políticos apelativos, apresentando o projeto como solução para o problema da criminalidade no país. Já parte razoável dos juristas defende que as ideias de Moro afrontam à Constituição da República, por mitigar, relativizar e violar diretamente direitos e garantias protegidas pelas clausulas pétreas, como, presunção de inocência, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
É uma constante, políticos oportunistas se aproveitarem do temor que assola nossa sociedade para buscarem votos embasados em discursos de um direito penal simbólico que atende a revolta social, mas em nada colabora com o combate à criminalidade. Em meio à crescente onda de insegurança social surge espaço para teorias radicais como a do alemão Günther Jakobs, denominada “Direito Penal do Inimigo”.
Jakobs defende que o inimigo é um não-cidadão, logo dependendo da natureza do crime praticado terá sua punição antecipada, não tendo direito à ampla defesa e contraditório, devendo ser submetido à leis mais severas. O direito penal do inimigo pune o autor do delito pelo que ele é ao invés de puni-lo pelo que ele fez.
Os adeptos desta teoria primam pela punição do indivíduo em face de sua suposta periculosidade independentemente de restar provada sua culpabilidade, para tanto, sofrerão medidas como quebra de sigilos bancários e fiscais não fundamentados, interceptações telefônicas sem justa causa, prisões cautelares sem fundamentação, e outras medidas inconstitucionais. O legislador brasileiro buscando proporcionar sensação de segurança à sociedade que sofre com a crescente violência de criminosos organizados, sutilmente tem incorporado em nossas legislações princípios oriundos do direito penal do inimigo.
Não é difícil perceber, em análise jurídica, que as propostas apresentadas pelo Ministro Sérgio Moro, embora reflitam o anseio social dos presentes dias, atenta contra a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, duplo grau de jurisdição e o direito ao sigilo profissional do advogado. No projeto busca-se a adoção do pleabargain, que mitiga o devido processo legal por oferecer benefícios a quem confesse a prática de crime, sem haver julgamento com produção de provas.
Também são apresentadas propostas para tornar lei à obrigatoriedade da execução de pena em 2ª instância, violando a presunção de inocência, dentre outras medidas que afrontam a Constituição como a amputação da competência do Júri, afastando os homicídios praticados contra funcionários públicos ou terceiros em caso de resistência. As mencionadas mitigações e violações, embora pareçam adequadas para punir o criminoso, terão reflexos negativos sobre todos os inquéritos policiais e processos criminais no Brasil, criando imensurável insegurança jurídica.
Qualquer um poderá ser prejudicado pelas medidas, até mesmo o cidadão de bem que se vê acusado injustamente de cometer um crime. A solução para o combate à criminalidade não é a criação de legislações radicais que flexibilizam os direitos e garantias constitucionais, e sim, a implementação de políticas públicas voltadas à educação, saúde, lazer e segurança, mantendo assim protegida a segurança jurídica.
Moro em seu discurso de apresentação do projeto já se adiantou dizendo que receberia críticas de juristas e advogados, neste ponto acertou, pois, sabiamente já previa que a OAB, por ser a instituição responsável pela defesa dos interesses públicos e da justiça social, jamais se calaria diante de tamanhas medidas radicais inconstitucionais. A democracia brasileira será defendida pela OAB que lutará incansavelmente e sem intimidação pelas liberdades democráticas, como sempre o fez, especialmente durante os períodos de arbítrio e de autoritarismo vividos pelo país.