Desde o começo do ano, empresas têm estruturado projetos de flexibilidade no trabalho a serem testados. Além de ouvir os funcionários constantemente sobre a preferência de formato e o que vem sendo aplicado, outro ponto a ser considerado é o impacto do modelo adotado na saúde mental e emocional deles.
Pesquisa da Conexa, que presta serviços a operadoras de saúde e corporações, mostra que 32% dos profissionais sentem que o modelo de trabalho afeta a saúde emocional. Desses, 50% estão no presencial, 29% no híbrido e 21% no home office. Para 56%, a modalidade em que atuam não causa interferência.
O levantamento foi realizado entre agosto e setembro deste ano com 1.818 pessoas que fazem acompanhamento psicológico na plataforma. Não é possível identificar o tipo de atividade que cada uma exerce, mas a empresa atende desde organizações tradicionalmente de escritório quanto indústrias onde o trabalho presencial é necessário.
A relação entre os modelos de trabalho e as condições emocionais não é unânime, mas encontra eco no histórico dos últimos dois anos. O home office, antes adotado em segmentos específicos, mostrou-se possível diante das restrições de contato impostas pela pandemia, mesmo com a desconfiança inicial sobre se daria certo.
“Percebeu-se que as pessoas acabam até se tornando mais produtivas no home office”, diz Luciene Bandeira, psicóloga e diretora de saúde mental da Conexa. “Por causa dessa experiência, os trabalhadores passaram a olhar para a relação de trabalho de maneira diferente, o que os fez refletir que é possível conciliar vida pessoal e profissional.”
Na pesquisa, os entrevistados perceberam aumentar ou surgir sinais e sintomas de ansiedade (65% em 2022 ante 25% em 2021), mas 80% dizem que fazer psicoterapia tem ajudado. A especialista comenta que isso também foi visto no começo da pandemia por causa do medo do vírus, das incertezas, da onda de demissões.
Assim como o estresse veio como uma resposta ao esforço de adaptação ao home office há dois anos, agora ele surge pela readaptação ao formato presencial. “E como as pessoas já estavam acostumadas, começaram a se questionar”, diz a psicóloga.
Mais home office, menos salário
Em prol de melhor qualidade de vida, os profissionais até abrem mão de benefícios e salário mais alto. É o caso do analista de sistemas Juan Ferreira, de 26 anos, e da publicitária Michele Almeida, de 28. Eles sempre trabalharam presencialmente, mas depois de experimentarem o home office desde 2020, optaram pela demissão quando as empresas em que trabalhavam retornaram ao escritório.
Na busca por novas oportunidades, a prioridade era trabalhar 100% remoto. “Para mim, o interesse não era salário ou aumento de benefícios, era mesmo o home office”, conta Ferreira. Mesmo que considere importante fazer trocas presenciais com os colegas, ele acredita que não compensa o tempo gasto no deslocamento, sendo que consegue interagir e conversar tanto de trabalho quanto de amenidades de forma virtual.
Soma-se a isso os benefícios pessoais obtidos. “Tenho mais tempo para me exercitar, tenho me alimentado melhor em casa e, para a saúde mental, é mais tempo para ler um livro, descansar, jogar videogame e curtir a família”, relata. Michele expressa as mesmas vantagens e desejo futuro.
“Em outras propostas de trabalho, eu prefiro ganhar menos e trabalhar em casa do que presencial ganhando mais”, afirma. Ela também percebe uma melhora no desempenho. “Eu tenho déficit de atenção e não consigo produzir bem no presencial, com pessoas à minha volta conversando.”
Uma pesquisa da consultoria Robert Half realizada com 1.161 profissionais de todo o País reforça os dados da Conexa: 39% dos colaboradores buscariam um novo emprego se a empresa atual não oferecesse, ao menos, uma alternativa parcialmente remota.
Para 77% deles, o home office é mais um modelo de trabalho do que um benefício e a mesma proporção indica o formato híbrido como a melhor opção para equilibrar vida pessoal e profissional. Enquanto isso, 17% preferem o remoto e apenas 6% optam pelo totalmente presencial.
A diretora de saúde mental da Conexa diz que as impossibilidades de acordo sobre os modelos de trabalho é algo também novo para as corporações. “As empresas estavam acostumadas com o modelo tradicional, presencial, e agora estão tendo estresse organizacional.”
O outro lado
A consultora de RH e mentora de carreiras Karen Vasconcelos pondera que o home office não é para todos, seja porque alguns profissionais demandam maior interação humana ou porque o modelo não funciona para certos ramos de atividade.
Em alguns casos, o formato também pode causar sofrimento. Após sair do presencial, a publicitária Michele Almeida começou a atuar remotamente, mas o excesso de trabalho, cobranças exageradas e sono desregulado culminaram na síndrome de burnout. “Eu vivia em função do trabalho, então não tinha noção de qualidade de vida de fato. Mas hoje eu lido bem, descobri a terapia nesse período”, conta.
Numa pesquisa da Vittude feita em parceria com a plataforma Opinion Box, 59% dos 2 mil entrevistados afirmam que trabalhar presencialmente traz mais benefícios para a mente e o bem-estar. Para 61% deles, a principal motivação é acreditar na importância da interação com os colegas para a saúde mental.
Quando o trabalho presencial se faz necessário ou é requerido, as companhias têm procurado atrair os funcionários. Karen enumera ações como desenvolvimento de liderança, programas de qualidade de vida, benefícios de autocuidado e ambientes humanizados, como os que aplicam neuroarquitetura. Essas empresas também valorizam políticas ESG e de diversidade e inclusão. “Isso tem diminuído a resistência ao presencial”, ela observa.
Essas estratégias são favoráveis, inclusive, às próprias companhias. “A partir do momento que a gente cria uma cultura organizacional mais leve, ambiente não tóxico, a cultura da colaboração cresce e equipes de alta performance têm mais entregas”, afirma. “As empresas se beneficiam porque se tornam atraentes e daí vem a inovação, porque elas conseguem estimular o processo criativo a partir dessa relação construída com os colaboradores.”