Mais de 700 obras paradas ou atrasadas em São Paulo consomem R$ 15,4 bilhões

Ivanildo Porto
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Cidades paulistas registram 734 obras atrasadas ou paralisadas que já consumiram cerca de R$ 15,4 bilhões dos cofres públicos, segundo levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP). Os custos vão aumentar, já que os contratos iniciais dos empreendimentos inacabados giram em torno de R$ 30 bilhões e, de acordo com especialistas, a demora para a conclusão causa a necessidade de atualização contratual, o que eleva o valor das construções.

As obras com algum tipo de problema estão distribuídas em 288 dos 645 municípios de São Paulo e envolvem convênios com governos estadual, federal e municipal. Os dados mais recentes foram publicados neste mês e são referentes ao primeiro trimestre de 2024. A lista inclui casos de obras prontas, mas que dependem de questões contratuais burocráticas para serem liberadas.

São vários os motivos apontados pelos gestores para os atrasos. O principal é o inadimplemento de empresas contratadas. São quase cem construções com problemas diante da incapacidade das contratadas de continuarem os empreendimentos. Na sequência, aparecem problemas que surgiram após a assinatura do contrato e situações técnicas identificadas depois da licitação.

A obra mais atrasada em território paulista está em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana. A entrega de 188 casas populares no programa residencial Morar Bem 2 era prevista para novembro de 2009, mas a população aguarda até hoje. Em 2021, quando o empreendimento já acumulava 12 anos de atraso, a prefeitura publicou, em seu site, que a obra estava em “ritmo acelerado”. Em 2023, pediu ajuda ao governo de São Paulo para concluí-la.

O problema para o andamento da obra começou em 2008, segundo o TCE, quando a empresa contratada para a construção entrou em recuperação judicial. Procurada, a prefeitura de Ferraz de Vasconcelos disse que nova licitação para retomada das obras será realizada no próximo dia 25. Segundo a administração, o projeto foi iniciado em 2007, com investimento de R$ 27,3 milhões do governo federal e R$ 2,7 milhões da prefeitura, mas, desde o início, houve dificuldade.

A prefeitura afirmou que a primeira empresa contratada não cumpriu as cláusulas de contrato. Foi feito, então, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com outra empresa, mas, por “dificuldades financeiras, ela também não conseguiu cumprir o acordo.

CONTRATOS. Apesar de o TCE-SP não fiscalizar a capital paulista – essa é uma atribuição do Tribunal de Contas do Município (TCM) -, a cidade aparece com 67 obras paradas ou paralisadas de responsabilidade do governo estadual. No relatório, há citação a 24 contratos da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô)

Entre os empreendimentos, a ampliação da Linha 2-Verde aparece com obras atrasadas, como o trecho da estação Guilherme Giorgi. Já foram desembolsados pouco mais de R$ 570 milhões pela obra, tocada pela Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A.. Segundo o TCE, o valor original do contrato era de R$ 432,7 milhões.

A direção do Metrô disse à reportagem que todos os contratos mencionados pelo TCE são de obras em execução ou já concluídas. No caso da Linha 2-Verde, afirmou que se referem a obras de ampliação que estão em execução da Vila Prudente à Penha, com conclusão prevista até 2027, além do trecho até Guarulhos, em que foram iniciados os projetos executivos. Sobre as demais obras, afirmou que os serviços estão em andamento, com trechos já em funcionamento ou com obras concluídas.

‘AJUSTES’. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) aparece com 13 contratos avaliados como problemáticos. O mais caro, fechado com a Siemens Mobility, para readequações e ampliação do sistema de suprimento de energia de tração das Linhas 11-Coral e 12-Safira, previa a entrega em agosto de 2015. O valor do contrato é de R$ 110,2 milhões. A previsão de conclusão, agora, é para julho.

Em resposta, a CPTM informou que as duas linhas já contam com as melhorias adotadas e que as empresas contratadas e a companhia estão em ajustes finais para emitir os documentos para o encerramento do contrato, o que deve se dar em julho deste ano.

A CPTM admitiu que, no ABC Paulista, há ainda obras a serem feitas. No entanto, disse que essas obras estão em áreas exclusivas para funcionários e devem ser retomadas em breve. “Dos dez contratos restantes, três continuam paralisados, três foram retomados em junho e outros quatro serão retomados no segundo semestre deste ano”, informou a CPTM.

No relatório, há ainda citação ao Rodoanel Norte, dividido em seis lotes – cinco em São Paulo e um em Guarulhos. A obra voltou a ser executada no fim de abril deste ano, e passou de paralisada para atrasada. Isso porque o empreendimento deveria ter sido concluído em 2014. Problemas licitatórios adiaram a retomada da obra na última década. Agora, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), espera que o projeto seja concluído até o fim de seu mandato, em 2026.

As obras com problemas atingem, principalmente, as áreas de educação, urbanismo e saúde, conforme o relatório do TCE. Na área de segurança, o tribunal cita entraves em seis delegacias na capital e no interior. Uma dos casos envolve reforma do 3.º Distrito Policial (1.ª Seccional) da capital paulista, na região central. Prevista para ser entregue em julho de 2023, a reforma para acessibilidade está em fase de conclusão, segundo a Polícia Civil.

No interior, a Polícia Civil enfrentou problemas nos últimos anos para tocar reformas. Em Cosmópolis e Nova Odessa, a empresa responsável propôs aditivo, que está sob análise pela instituição. Já em Santo Anastácio, a reforma da delegacia estava prevista para ser entregue em 2015, mas virou alvo de inquérito policial, após suspeita de irregularidades. A gestão municipal não teve interesse em renovar o contrato. A corporação informou que não foram detectadas responsabilidades de policiais civis.

NECESSIDADE. O presidente do Tribunal de Contas do Estado, Renato Martins Costa, demonstrou preocupação com a situação em São Paulo. Ele alertou que há casos de obras paradas que não podem ser aproveitadas, caso os empreendimentos sejam retomados. “As condições de aproveitamento daquilo que já foi feito se tornam duvidosas. Um negócio que está parado há tanto tempo, de repente você já fez uma parte do serviço, mas essa parte feita, muitas vezes, não pode mais ser aproveitada. Há uma frase que é muito utilizada. ‘Não há obra mais cara do que a obra parada’, porque você já consumiu parte dos recursos necessários à sua realização.”

Costa prosseguiu. “Se você contratou uma obra, é porque ela vai atender a uma necessidade pública, uma necessidade da sociedade local. É outro prejuízo.” Na avaliação do presidente do tribunal, gestores públicos precisam tomar decisões para evitar a continuidade de desperdício de verba pública. Uma opção, disse, é recomeçar o processo licitatório.

NOVA LICITAÇÃO. “O melhor, muitas vezes, é você abandonar aquele contrato e relicitar a obra, apurando responsabilidade do motivo da paralisação e, eventualmente, até cobrando esse prejuízo de quem lhe deu causa. O que não pode acontecer é a obra ficar nesse limbo, paralisada, sem nenhuma ação do Estado.” Em casos em que a equipe do TCE identifica suspeitas de crimes contra administração pública ou improbidade, o tribunal encaminha o caso para o Ministério Público de São Paulo apurar eventuais responsabilidades.

Doutor pela Faculdade de Direito da USP e especialista em direito da construção, contratos de construção e processos licitatórios, Rafael Marinangelo disse que dificilmente os valores de contratos antigos serão mantidos com a retomada das obras. “O valor com o qual você comprava a brita há dez anos não é o mesmo com o qual você compra a brita hoje. Então, teria de fazer esse ajuste. Também pode acontecer de a administração pública falar: ‘Se eu fizer simplesmente o reajuste, sai mais caro do que se eu fizer uma nova licitação’. Então, a administração pública pode optar por encerrar aquele contrato e aí fazer uma nova licitação.”

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