O ministro Gilmar Mendes votou nesta quarta-feira (7), em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a liberação de celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em razão da pandemia de covid-19.
Relator do processo, Mendes foi o primeiro ministro a votar. Após o voto dele, já no fim da tarde, o julgamento foi interrompido e será retomado nesta quinta-feira (8).
Mendes
ironizou as críticas do advogado-geral da União André Mendonça à superlotação
no transporte público brasileiro. Logo no início de seu voto, o ministro
relembrou que o AGU ocupou até a semana passada o cargo de Ministro da Justiça
e que tinha entre suas atribuições a responsabilidade de formular diretrizes
sobre transportes no País.
Mendonça criticou as medidas restritivas a igrejas
e cultos religiosos enquanto o País presencia cenas de ‘ônibus superlotados’ e
viagens de avião ‘como uma lata de sardinha’. Ao abrir o julgamento, Gilmar
rebateu o AGU.
“Quando Vossa Excelência fala dos problemas
dos transportes no Brasil, especialmente no transporte coletivo, eu poderia ter
entendido que Vossa Excelência teria vindo agora para a tribuna do Supremo de
uma viagem a Marte, mas verifiquei que Vossa Excelência era Ministro da Justiça
e tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas. À União
cabe legislar sobre diretrizes nacionais de transportes”, criticou Gilmar.
“Vejo, portanto, que está havendo um certo
delírio neste contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma a sua
responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar
ninguém”, continuou o ministro.
Gilmar apontou em seguida a ‘postura cambiante’ do
procurador-geral Augusto Aras, que inicialmente pediu urgência na análise do
caso e, após ter o pedido negado, solicitou que a ação fosse distribuída ao
ministro Kassio Nunes Marques, favorável à abertura dos templos. O ministro
chamou o pedido de ‘desconsolado’.
Alinhado ao Palácio do Planalto, Aras alegou que o
caso deveria ficar com o indicado do presidente Jair Bolsonaro, que é relator
de processo mais antigo sobre o tema. O chefe do Ministério Público Federal, no
entanto, só se manifestou sobre a questão da relatoria após virem à tona as
decisões conflitantes dos dois ministros.
A manifestação foi rebatida por Gilmar, que chamou
o pedido de ‘desconsolado’. “Não prospera o desconsolado requerimento do
parquet para que a presente ação fosse redistribuída à relatoria do eminente
ministro Nunes Marques”, disparou. “Não me parece haver espaço para
que um representante maior do MPF ultrapasse os limites de sua função para
aderir aos interesses do autor, ao ponto de adotar estratégias
processuais”, disse.
Aras e Mendonça são dois nomes cotados para a
segunda indicação ao STF a ser feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que
defende a entrada de um nome ‘terrivelmente evangélico’ na Corte. No julgamento
que discute se as medidas restritivas podem impedir a realização de cultos e
missas no momento mais crítico da pandemia, tanto o AGU quanto o PGR defenderam
a derrubada das restrições sob o argumento de ‘liberdade religiosa’.
Kassio
Gilmar Mendes também comentou a decisão de Kassio
Nunes Marques que, na véspera da Páscoa, liberou a realização de cultos e
missas em todo o País. Segundo o ministro, o próprio colega reconheceu que sua
liminar se estendeu ‘para além do pedido inicial’ da Associação Nacional dos
Juízes Evangélicos (Anajure), incluindo até municípios e Estados cujos decretos
não era questionados pela entidade.
A ação da Anajure buscava permissão para
atividades como serviços de capelaria, ações de cunho social e filantropia,
atividades eclesiásticas e transmissões virtuais de cerimônias. A liminar de
Kassio acabou por conceder tudo isso e liberar também a realização de
celebrações presenciais livres de aglomeração.
“O próprio ministro Nunes Marques, ao decidir
monocraticamente, reconheceu que sua decisão se estava estendendo para além do
pedido inicial, abarcando estados e municípios que não participam a
demanda”, apontou Gilmar.