Se
almas gêmeas não existem, quem pode explicar o encontro entre o café e a
coquetelaria? Embora o casamento não seja novo, essa é uma relação que só tem
melhorado com o tempo. Difícil negar que tenham nascido um para o outro.
Coquetéis com café podem ser apreciados nos principais bares de São Paulo (e do
País) ou até preparados em casa (mesmo por iniciantes sem muita prática com as
coqueteleiras). Para quem quiser explorar este universo, existem uma série de
receitas clássicas (Espresso Martini, Irish Coffee…) e criações modernas –
que podem pedir a utilização de um expresso, um café coado, um Cold Brew (café
extraído a frio) ou de outros métodos, infusões, etc. e tal.
Em São Paulo, é fácil notar um claro movimento de casas híbridas, que são
cafeterias e também bares de coquetelaria – e que tratam com igual seriedade as
duas pontas deste relacionamento (o coquetel e o café).
Entre as cafeterias/bares estão o Café Hotel Espresso Bar, o Locale Caffè (que
conta com as criações de Márcio Silva, considerado pela revista Drinks
International uma das 100 pessoas mais influentes do mundo na indústria de
bares e bebidas) e o Perseu Coffe House (que tem carta assinada por Fabio La
Pietra e Thatta Kimura).
“Quando você percebe o que o café pode trazer para a coquetelaria, é algo
impressionante. Ele traz doçura onde antes você precisava usar o açúcar; você
encontra amargor quando antes precisava usar um bitter; você tem até o
defumado. Existe um universo inteiro no café”, comentou Rafa Berçoit,
sócio do Café Hotel Espresso Bar. Por lá, um dos drinques com maior saída é o
Baileys #hotel (uísque, baileys, café expresso e licor de café)
O mixologista e editor do Site Mixology News, Marco de La Roche, que conquistou
o tricampeonato brasileiro de Coffee in Good Spirits (2009, 2010 e 2011), e
figurou entre os dez melhores baristas do Campeonato Mundial realizado em
Londres em 2010, afirmou que o boom das cafeterias nos anos 1990 teria sido o
responsável por popularizar os coquetéis com café no País. “Nos anos 90, a
gente começou a ter lugares para tomar um café de qualidade e conversar. Para
que a gente preenchesse um cardápio diferenciado, começamos a oferecer o Irish
Coffee, o Espresso Martini…”, falou De La Roche.
De La Roche é o criador do Montecristo, drinque que venceu a etapa brasileira
do Coffee in Good Spirits, em 2010, e esteve na carta do histórico Myny Bar,
durante a gestão de Spencer Amereno Jr. (bar que fechou em 2013 e que é
considerado o ‘big bang’ da moderna coquetelaria brasileira). O Montecristo
leva rum, extração composta de café com camomila, mel de camomila e casca de
tangerina.
“Para drinques com café, eu buscaria grãos que não fossem extremamente
torrados. Eles não ajudam com os demais ingredientes. Eu experimentaria um 100%
arábica de torra média”, disse De La Roche. Segundo ele, as bebidas que
melhor conversam com o café são a vodca (pela neutralidade) e destilados
envelhecidos como o rum, a cachaça e o uísque.
Ubirajara Luiz Gomes, o Bira, foi o brasileiro mais bem colocado no World
Coffee in Good Spirits (5º lugar), que aconteceu em 2012, na Coreia do Sul. Na
ocasião, uma das criações apresentadas era uma caipirinha que, entre outras
coisas, levava maracujá e café. “Se você colocar na ponta do lápis, o café
é a bebida mais consumida no Brasil, só perde para a água. Para mim, é
impossível separar o café do destilado. São como Romeu e Julieta, queijo e
goiabada”, disse.
O amor pelo café e pela cachaça, por exemplo, fez com que o bartender e barista
Christopher Carijó, do Belle Époque Bar & Cozinha, criasse o Rabo de Galo
Carijó (cachaça envelhecida em carvalho americano, infusionada com café e casca
de laranja-da-baía, vermute tinto e Cynar). “O café é um ingrediente
versátil e poderoso, que deveria ser chave na coquetelaria. Ele pode aparecer
em drinques quentes ou frios. E pode trazer acidez, doçura, notas cítricas,
amendoadas, florais ou vegetais. É algo que faz parte do cotidiano do
brasileiro e deveria estar cada vez mais em nossos coquetéis.”
Para Néli Pereira, jornalista e mixologista, é difícil encontrar quem não goste
de café. “Tirar o café do universo das bebidas é um desperdício. Acredito
que as pessoas podem explorar possibilidades com o café coado de casa. Você
pode brincar com suco de laranja, tônica…”, disse. “Faço um Negroni
da Padoca, que é um shot de café coado em cima do Negroni (30 ml de gim, 30 ml
de vermute tinto, 30 ml de Campari, shot de café coado). É uma delícia, um
caminho sem volta”, brinca.
Já para o bartender e barista Leo Peralta, o café é um símbolo de hospitalidade
enraizado em nossa cultura. “Um bartender brasileiro tem que saber sobre
cachaça e tem que saber sobre café. Valorizar produtos locais é uma tendência
mundial e um sinal de cuidado”, afirmou.
Café. Sem Café. Marcelo Sant’Iago, Chief Cocktail Officer da Top Cocktails e
editor de um site especializado em coquetéis, não é bebedor de café puro, mas
um consumidor de coquetéis de café ou com licor de café. “Pessoalmente
gosto muito da utilização de Cold Brew”, disse. Sant’Iago indica o Cold
Brew Martini (Staff Cocktails) e o Cold Brilho (Locale Café).
O próprio Sant’Iago criou um drinque com licor de café, o Este (rum, licor de
café, chartreuse amarelo e Angostura) – que esteve na carta do Guarita Bar, em
2019, e hoje está disponível no Picco (embora fora do cardápio, pode ser pedido
direto para o bartender Lula Mascella).
Na linha coquetéis com licor de café, vale também experimentar o Chaparral,
criação de Rodrigo Roso para o bar Boca de Ouro (licor de café, Paratudo,
limão-siciliano e xarope simples de açúcar). Os licores de café mais fáceis de
encontrar por aqui são o Kahlúa, Lucano e o Tia Maria.
Para quem quer se aventurar em casa, Sant’Iago indicou uma prática do
bartender, consultor e dono de bar, o francês Nico de Soto, um dos
proprietários do Mace Bar (Nova York) e do Danico (Paris). “Ele coloca
grãos de café no momento em que coquetéis como Negroni ou Old Fashioned são
mexidos. Ao mexer, a bebida absorve todo o aroma. Fácil de fazer em casa e fica
muito bom”, afirmou.
Clássicos
Os coquetéis de café (ou de licor de café) mais conhecidos e clássicos da
história vieram de longe. No final da década de 1940, o Black Russian pedia
vodca e licor de café. Nos anos 50, o creme fresco de leite transformou o Black
em White Russian.
O famoso Irish Coffee também é da década de 40 (café coado, uísque irlandês,
açúcar e coberto de creme levemente batido). O drinque tradicional irlandês
ganhou o mundo. Figurinha constante na lista The World’s Best Bar, o Dead
Rabbit, de Nova York, tem em seu Irish Coffe uma marca registrada.
Entre os clássicos, o mais lembrado e requisitado ainda é o Espresso Martini,
criado em Londres por Dick Bradsell (o coquetel nasceu como Vodka Espresso).
Hoje, esse clássico recebe muitas variações, mas o mais comum é encontrá-lo em
receitas com vodca, licor de café e café expresso.
É inegável que o Carajillo, uma criação da marca Licor 43, tornou-se um clássico
moderno. Sucesso absoluto no México, ele pede apenas um shot de café expresso,
o próprio Licor 43 e gelo