Um incêndio destruiu parte do acervo de um galpão da Cinemateca na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, na noite de ontem (30). Ao menos três salas do 1º andar foram consumidas pelo fogo.
Segundo o Corpo dos Bombeiros, as chamas começaram após manutenção de um ar-condicionado em uma sala da instituição, a mais antiga do tipo na área de cinema na América Latina. Não houve vítimas e as chamas foram controladas. O governo federal disse que pediu à Polícia Federal para apurar o caso.
Nos últimos anos, artistas e funcionários da Cinemateca têm alertado para a precariedade da estrutura, falta de investimentos, e risco de incêndio. Ainda não há confirmação se o acervo queimado era formado por cópias ou por originais.
Para Marcelo Lima, diretor geral do Instituto Sprinkler Brasil, esse e outros incêndios que colocaram em risco patrimônios culturais brasileiros poderiam ser evitados com investimento. “Não tem a vontade política e a vontade de gastar dinheiro com isso”, afirma Marcelo.
As chamas atingiram três salas, com material de filmes e impresso. O andar térreo não foi afetado. “Estamos apurando o que foi queimado e o que foi preservado nessas três salas, mas provavelmente não foi preservado nada”, afirmou a capitão Karina Paula. A corporação ainda apurava ontem se o local tinha alvará de incêndio.
Segundo Lima, a tecnologia para esse tipo de prevenção já existe, mas o problema é maior e o incêndio expõe uma trajetória de descasos. “Uma goteira que fica estragando o prédio por anos não dá notícia”, explica o engenheiro. Para o diretor, o perigo desse tipo de acontecimento é a rapidez com que o fogo pode se alastrar até incinerar o acervo.
O fogo na Cinemateca não é um fato isolado. Outras instituições como o Museu da Língua Portuguesa, em 2015, e o Museu Nacional, no Rio, em 2018, também queimaram. No caso do Museu Nacional, houve perda de 80% do acervo – coleções inteiras foram destruídas, como a coleção com 12 mil insetos, e itens egípcios, como múmias e sarcófagos. Marcelo Lima avalia que o setor cultural do País precisa de apoio para evitar esse tipo de incêndio no futuro. “Uma perda em um prédio desses não é simples, é uma perda de propriedade de toda a população.”
A Cinemateca tem a função de preservar e difundir o acervo audiovisual brasileiro. É administrada pela Secretaria Nacional do Audiovisual, parte da Secretaria Especial de Cultura. Há dois anos, o contrato que a Associação Roquette Pinto (Acerp) mantinha com o Ministério da Educação para a gerência da instituição não foi renovado.
O governo federal se comprometeu com novo edital para a função, mas a promessa não saiu do papel. Em maio de 2020, ao demitir Regina Duarte do comando Secretaria Especial da Cultura, o presidente Jair Bolsonaro declarou em vídeo, ao lado da atriz, que ela iria para a instituição – ela não assumiu a função. Em agosto, Frias declarou que a Cinemateca estava “protegida”, em visita ao local
Investigação
A Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo informou nesta quinta-feira (29), que pediu para a Polícia Federal investigar as causas do incêndio que atingiu a Cinemateca Brasileira “Só após o seu controle total pelo Corpo de Bombeiros que atua no local poderá determinar o impacto e as ações necessárias para uma eventual recuperação do acervo e, também, do espaço físico”, disse o trecho da nota da Secretaria.
A assessoria da pasta também disse que o secretário adjunto, Hélio Ferraz, viajará para São Paulo a fim de acompanhar os desdobramentos do caso. O secretário Mário Frias e o ministro do Turismo, Gilson Machado, estão na Itália participando de um evento do G20, grupo de países desenvolvidos e emergentes.
No último dia 12 de abril, ex-funcionários da Cinemateca Brasileira publicaram um manifesto alertando para “os riscos que correm o acervo”. “O risco de um novo incêndio é real. O acompanhamento técnico e as demais ações de preservação, inclusive processamento em laboratório, são vitais”, dizia o comunicado. Em 2018, o Museu Nacional, no Rio, foi destruído por um incêndio.
Reação
“Caso se confirme que o incêndio é fruto da falta de manutenção que nós e todo o setor audiovisual já tínhamos anunciado, vamos perceber que essa é mais uma ação de ataque à cultura e ao patrimônio cultural brasileiro por parte do governo federal, que tem linha ideológica completamente distanciada da cultura brasileira”, disse o secretário municipal de Cultura de São Paulo, Alê Yousseff.