A relação entre o homem e os animais é capaz de promover inúmeros benefícios, contribuindo, inclusive, para uma mudança social. Essa relação, capaz de despertar nos seres humanos os melhores sentimentos, foi inserida recentemente em um ambiente carente de empatia e afeto, onde já é possível notar as mudanças positivas: os complexos penitenciários. Dois projetos foram implantados em penitenciárias do Brasil, que adotaram o cuidado de cães e gatos em situação de abandono como alternativa para ajudar na ressocialização dos detentos.
Na penitenciária do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, a iniciativa foi da policial penal Bruna R. W. Longen, que há dois anos criou o “ReabilitaCÃO”, contribuindo simultaneamente com duas questões sociais: “Além de ser uma forma de ressocialização para os presos, é ainda uma maneira de lidar com o problema de maus-tratos e abandono dos animais, que também é preocupante na região”, destaca a policial. O exemplo veio de programas em unidades prisionais dos Estados Unidos, que utilizam os cães para acessar sentimentos perdidos (ou nunca conhecidos) em pessoas privadas de liberdade.
Os próprios presos foram responsáveis pela construção do espaço, que fica nas dependências do Complexo Penitenciário. Os cães resgatados recebem carinho e cuidados de detentos em regime semiaberto com bom comportamento e daqueles que apresentam quadro de depressão ou ansiedade crítica, e ficam disponíveis para adoção. Os presos ainda têm a oportunidade de realizar a capacitação para banho e tosa e iniciar uma nova profissão, e a atividade auxilia na redução do tempo da pena. Desde o início do projeto, mais de cem animais, que possivelmente morreriam nas ruas, já foram adotados em feiras promovidas por ONGs parceiras.
Nenhum ex-detento que participou do projeto na penitenciária reincidiu no crime. “A mudança comportamental foi muito significativa. Tivemos até o caso de um preso que pensava em suicídio, foi inserido no projeto e saiu do cárcere afirmando que o ReabilitaCÃO salvou sua vida, devolveu sentimentos que ele não imaginava que ainda tinha. E encerrou sua pena levando três cães adotados”, orgulha-se Bruna.
O projeto piloto seguiu com ótimos resultados durante dois anos (de agosto/2019 a agosto/2021) e agora, passa por uma reestruturação, com novas diretrizes sendo tratadas por uma equipe de trabalho dedicada especificamente ao tema, com o intuito de implantação padronizada em outras unidades do Estado. A iniciativa ganhou repercussão nacional e, em agosto do ano passado, recebeu o 27º prêmio Expressão de Ecologia, na categoria “Bem-Estar Animal”, além de ter concorrido ao 17º e 18º Prêmio Innovare, o maior prêmio da Justiça Brasileira.
Semelhante ao programa de Itajaí, o projeto “Patas pela Inclusão” também utiliza o trabalho com animais para ressocialização dos detentos e redução do tempo de pena, nas unidades prisionais de Tremembé, Taubaté e Potim, no interior de São Paulo. E ao mesmo tempo, contribui com o problema da superlotação no Centro de Zoonoses de Taubaté. O projeto surgiu em 2019, de uma parceria entre a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), a 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) da Comarca de Taubaté, o Conselho da Comunidade de Taubaté e a Prefeitura da cidade.
Na P1 de Tremembé, um canil abriga em torno de 70 cães, e no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Taubaté, um gatil abriga cerca de 65 gatos. Já na unidade de Potim, está sendo implantado um canil para acolher 80 cães que viviam no entorno da unidade.
Os detentos recebem treinamento específico para cuidar destes animais, além de aprenderem técnicas de adestramento e tornarem-se capacitados para exercer uma profissão quando concluírem a pena, que pode ser reduzida com a atividade. Já os animais, também são disponibilizados para adoção. Até o momento, foram adotados cerca de 40 cães e 30 gatos por intermédio de ONGs, em parceria com o Conselho da Comunidade de Taubaté.
Assim como foi comprovado em Itajaí, nenhum detento que passou pela iniciativa nas unidades prisionais em São Paulo reincidiu no crime. A juíza Sueli Zeraik, responsável por implantar o projeto “Patas pela Inclusão”, afirma: “A relação com os animais cria afeto, carinho e promove a reaproximação com as pessoas. Os animais dão o amor que os presos precisam receber e, em contrapartida, o recebem de volta dos detentos. É uma troca entre dois lados carentes deste sentimento”.
Para manter e expandir iniciativas como esta, o apoio de parceiros é essencial. A Adimax, fabricante de alimentos para cães e gatos, que tem como premissa o bem-estar destes animais e também das pessoas, se comoveu com as ações e assumiu o compromisso de fornecer ração para alimentar os animais dos projetos “ReabilitaCÃO” e “Patas pela Inclusão”.
O coordenador de marketing social da Adimax, André Sano, conheceu a iniciativa por meio das redes sociais, e conta: “Fiquei encantado pelo fato desta forma inovadora de ressocialização unir e dar a segunda chance tanto para pessoas que, em algum momento da vida, cometeram um erro e estão pagando por isso, quanto para animais que foram abandonados e estão em busca de um novo lar. Além disso, pode ser uma alternativa para aliviar a situação das ONGs, que não medem esforços para cuidar de animais abandonados, muitas vezes sem contar com recursos financeiros e mão de obra para proporcionar a qualidade de vida adequada aos animais que aguardam a adoção. Oferecer esse apoio fortalece nosso papel genuíno como empresa cidadã, que proporciona oportunidades para promover a inclusão e diminuir as desigualdades”.
A responsabilidade social faz parte do DNA da Adimax, que criou um departamento específico para atender as demandas sociais, se comprometendo com questões que envolvem cidadania, inclusão, conscientização e convivência entre as pessoas. Entre os projetos, a empresa mantém o Instituto Magnus, o maior centro de formação de cão-guia da América Latina, que treina e doa animais para pessoas com deficiência visual de todo o Brasil; promove campanhas de arrecadação e doação de ração para ONGs e protetores independentes; beneficia casas de repouso com doação de fraldas geriátricas; e ainda incentiva a inclusão social por meio da prática esportiva, patrocinando e apoiando mais de 30 equipes das mais diversas modalidades do paradesporto.
O trabalho nas penitenciárias
No Brasil, o número de detentos em unidades prisionais é de mais de 667,5 mil, dos quais 143,5 mil realizam alguma atividade laboral e 110 mil estudam, segundo o Departamento Penitenciário Nacional – Depen. O Sistema Prisional brasileiro tem como concepção a ressocialização do detento e considera que a função da pena é educativa, ou seja, visa reeducar pessoas privadas da liberdade para se adequarem às condições e leis da sociedade. A ocupação durante o cumprimento da pena é capaz de reduzir as chances de reingresso no sistema prisional, uma vez que possibilita ao detento sair do presídio com habilidades que poderão lhe trazer alguma renda.
De acordo com a Lei nº 7.210/1984, Lei de Execução Penal (LEP), o trabalho durante o cárcere possui finalidade educativa e produtiva. Ainda segundo a legislação, cada três dias de atividades laborais equivalem a um dia a menos de pena.